Economia

STF derruba dois trechos, mas mantém MP que flexibiliza leis trabalhistas durante a pandemia

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Artigos anulados previam ‘atuação orientadora’ de fiscais do trabalho e possibilidade de que casos de Covid-19 não fossem doenças ocupacionais. Restante ainda será analisado pelo Congresso. O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por maioria, nesta quarta-feira (29), suspender dois trechos da medida provisória 927, que flexibiliza normas trabalhistas durante a pandemia do coronavírus. O restante da MP fica mantido, pelo menos até a análise do Congresso Nacional.
Os trechos suspensos previam:
que os casos de coronavírus não seriam considerados ocupacionais, exceto se houvesse comprovação de que foram causados pelo trabalho;
e que auditores fiscais do trabalho do Ministério da Economia atuariam apenas de maneira orientadora por 180 dias.
Os ministros entenderam que a maior parte das medidas não afrontam direitos fundamentais dos trabalhadores, e que estão de acordo com as normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Constituição.
Outros pontos, como a prevalência do acordo individual entre padrão e empregado em relação a leis trabalhistas e acordos coletivos, ou o trecho que prevê adiar o pagamento do adicional de um terço de férias até o recebimento do 13º salário foram mantidos.
O julgamento começou na semana passada com o voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello, que votou para confirmar a decisão provisória de 26 de março, quando a validade da MP foi mantida. Desta vez, o plenário analisou também o mérito dos pontos da medida.
A MP instituiu alterações emergenciais na legislação trabalhista durante a pandemia de coronavírus no país. As medidas poderão ser adotadas pelos empregadores para preservar emprego e renda de funcionários enquanto durar o estado de calamidade pública.
O texto, que já está em vigor e precisa ser analisado pelo Congresso em 120 dias, prevê a possibilidade de acordo para estabelecer:
teletrabalho (trabalho à distância, como home office)
regime especial de compensação de horas no futuro em caso de eventual interrupção da jornada de trabalho durante calamidade pública
suspensão de férias para trabalhadores da área de saúde e de serviços considerados essenciais
antecipação de férias individuais, com aviso ao trabalhador até 48 horas antes
concessão de férias coletivas
aproveitamento e antecipação de feriados
suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho
adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)
acordos individuais entre patrões e empregados estarão acima das leis trabalhistas ao longo do período de validade da MP para “garantir a permanência do vínculo empregatício”, desde que não seja descumprida a Constituição
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Voto do relator
O relator, ministro Marco Aurélio Mello, afirmou que a medida provisória foi editada observados os dois predicados da Constituição, relevância e urgência. “Visou a atender uma situação emergencial, preservar empregos, a fonte do sustento dos trabalhadores que não estavam na economia informal”, disse. “O empregador fica sujeito à falência.”
O ministro disse ainda que “a norma não afastou direito a férias tampouco o gozo dessa de forma remunerada e com adicional de um terço”.
“Apenas houve intuito de equilibrar no setor econômico financeiro a projeção do pagamento do adicional, mesmo assim impondo-se limite à data da gratificação”, complementou.
O voto foi acompanhado pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e pelo ministro Gilmar Mendes. Os três disseram entender que não era o momento de discutir a MP, já que ela ainda está sendo analisada no Congresso.
Votos divergentes
Já os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux apresentaram votos discordando de trechos da medida. Não houve consenso total entre esses votos.
O ministro Alexandre de Moraes questionou o artigo 29 da MP, que prevê que casos de contaminação por coronavírus não serão considerados doenças ocupacionais, exceto se houver comprovação de nexo entre a atividade e a contaminação. Ele também entendeu ser inconstitucional o artigo 31, sobre a atuação dos auditores fiscais.
Ao todo, sete ministros votaram para suspender o primeiro trecho, e seis, o segundo trecho da medida. Com isso, houve maioria para cancelar os dois artigos.
O ministro Edson Fachin disse que as leis trabalhistas não podem ser desconsideradas em tempos de calamidade pública e que a MP extrapolou os limites legais. “Estar-se-á afastando a Constituição e as leis trabalhistas que vinculam o legislador”, disse.
O ministro foi contra nove pontos da medida e defendeu a prevalência de acordos coletivos sobre acordos individuais e medidas de proteção do trabalhador. Em seu voto, Fachin também criticou a atuação mitigada dos auditores fiscais do trabalho.
O ministro Luís Roberto Barroso disse que a vigência da MP só vai durar durante a pandemia. “Terá dia para acabar e a partir daí vamos reconstruir tudo o que precisar ser reconstruído. Há uma situação emergencial temporária, nada do que está dito aqui permanecerá”, argumentou.
Em seguida, a ministra Rosa Weber votou para suspender trechos da MP, principalmente o que prevê a possibilidade de acordos individuais se sobreponham a outros instrumentos legais.
A ministra Cármen Lúcia votou acompanhando a divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes.
O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que é dever do STF afastar defeitos de medidas provisórias enquanto elas estiverem em vigor, durante sua vigência. E votou contra a preponderância de acordos individuais a outras normas legais e à suspensão de exigências de administrativas de segurança do trabalho. “Não é possível que um instrumento efêmero possa revogar toda a legislação trabalhista”, disse.
“Em nome da colegialidade, entendo que os dois aspectos manifestamente inconstitucionais foram destacados nos artigos 29 e 31”, complementou o ministro Luiz Fux.