Meio Ambiente

Microplásticos que saem das roupas na lavagem estão em todos os lugares, até mesmo nas geleiras, diz especialista

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Pesquisas apontam que há presença de materiais sintéticos em todas as áreas do planeta, até mesmo em lugares mais remotos como os polos norte e sul. Lavar roupas além do necessário contribui com este tipo de poluição. Microplásticos: quando o ato de lavar roupa polui os oceanos
Pexels
Não existe hoje, no planeta, nenhuma área livre de poluição de materiais sintéticos e microplásticos. Mais do que o glitter no carnaval, pesquisas relatam a presença de fibras sintéticas, resultado da lavagem de roupas, registrada em todos os continentes – até mesmo em zonas remotas como geleiras polares.
A contaminação das águas e oceanos com microplásticos vindos das roupas pode ser reduzida com um uso mais consciente da máquina de lavar, disseram pesquisadores e profissionais da indústria têxtil ouvidos pelo G1.
Isso ocorre porque, a cada lavagem, peças de poliéster, náilon e acrílico liberam pequenas fibras que não são capturadas nem pelo filtro da máquina de lavar e nem por esquemas mais avançados de tratamento de esgoto – isso quando há tratamento e a água não é despejada diretamente nos mananciais.
Partículas de plástico caem do céu com a neve no Ártico
A ingestão de plástico é hoje um dos principais problemas para a conservação das espécies, que consomem as partículas sintéticas ao confundi-las com alimentos. Nos organismos dos animais, elas podem causar obstrução no trato gastrointestinal.
É o que acontece, por exemplo, com tartarugas que ficam impedidas de comer e realizar outras funções fisiológicas, levando-as a um emagrecimento crônico. O sofrimento pode se prolongar por bastante tempo, até o animal morrer, como o G1 mostrou no Desafio Natureza.
As fibras sintéticas têm menos de 5 milímetros de comprimento e são tão pequenas que seu diâmetro é medido em micrômetros, o equivalente a 1 milímetro dividido em mil.
A engenheira têxtil Flavia Cesa comentou em entrevista ao G1 que o materiais plásticos dominam 60% da indústria. A opção pelos tecidos sintéticos é feita por serem mais baratos e mais fáceis de trabalhar. Com os baixos preços, as ofertas de lojas de fast fashion (como as de departamento) aumentam o consumo de novas peças – que tendem a liberar mais partículas a cada lavagem.
Fibras sintéticas até nas geleiras
Nos últimos sete anos, pesquisadores da área ambiental e têxtil começaram a investigar os processos que levam à liberação dessas pequenas fibras sintéticas no ambiente. Cesa explicou que estudos mostram que lugares remotos como as geleiras polares já registraram a presença de contaminação com esses materiais.
“A gente não pode ter certeza sobre a origem dessas fibras. Pode ser da lavagem, do ar – ao se desprender com o atrito do poliéster–, ou que chegaram ao mar a partir de outros produtos têxteis usados na agricultura e pesca. Mas as roupas, hoje, são o principal ponto de estudo na comunidade cientifica.”
Pedaços de fibra sintética foram encontradas até mesmo em geleiras polares
Eduardo Carvalho/G1
A engenheira ressaltou que as consequências dos microplásticos despejados sem tratamento afetam a vida marinha: mexilhões cultivados para consumo humano têm, dentro de si, restos deste material plástico.
Animais que, durante a alimentação, ingerem estas fibras têm a sensação de saciedade, mas não estão nutridos, disse a especialista. Em alguns casos, alerta, substâncias tóxicas podem causar problemas de reprodução nas espécies.
“Estudos em laboratório que alimentavam animais com pedaços de plástico, mostravam que eles tinham disfunções endócrinas, e as fibras são facilmente confundidas com plâncton”, diz Cesa.
Então não devemos mais lavar as roupas?
A pesquisadora comentou que um dos estudos pioneiros da área analisou amostras de 18 praias em seis continentes e traçou o “caminho de volta” das fibras inferiores a um milímetro. Ao perceber que as fibras estavam concentradas no esgoto, a pesquisa sugeriu que as fibras vinham da lavagem.
A hipótese estava correta quando se comprovou, a partir de experimentos, que em uma lavagem com apenas uma peça de roupa mais de 1.900 pedaços de fibras foram liberados na água, passando livremente pelos filtros.
Em outra pesquisa, publicada em 2016 pelo “Marine Pollution Bulletin”, se estimou que em cada lavagem em uma máquina pequena, de 6 kg, mais de 700 mil fibras podem ser liberadas no ambiente.
A estilista Stella McCartney posa para fotórafos antes de desfile, em Milão, na Itália
Miguel Medina/AFP
A estilista Stella McCartney disse no começo de julho ao jornal britânico “The Observer” que, em vez de lavar uma peça, é melhor deixar a sujeira secar e escová-la. “Basicamente, na vida, há uma regra geral: se você não precisa limpar uma coisa, não a limpe”, disse.
Para Flavia Cesa, a maior parte das lavagens ocorre mais por hábito que de fato pela sujeira.Lavar uma peça de roupa com muita frequência pode reduzir sua vida útil, alerta a especialista. Mas isso não quer dizer que devemos deixar de lavar as roupas.
O empresário e pesquisador na área têxtil, Renan Serrano, concorda com Cesa. Ele ressalta que, por conta da indústria do fast fashion, que fatura com a vida curta das peças, não há mais uma preocupação em conservar os materiais.
“Nos EUA, o norte-americano lava a roupa uma vez por semana; já o brasileiro lava entre três a quatro vezes, em média.”
O pesquisador reforçou que a lavagem desgasta a roupa: “Há atrito, a cor desbota e o fio enfraquece, porque vai soltando as fibras”, disse. “Isso sem falar que, toda vez que se liga a lavadora, ao menos 100 litros de água são contaminados com produtos químicos.”
Pesquisadora acredita que a maior parte das lavagens é feita por habito e não pela sujeira
Pixabay/Divulgação
Truques para reduzir a liberação de fibras sintéticas
Para tecidos mais resistentes, deixar a sujeira secar e escová-la;
Congelar a calça jeans em um saco plástico para reduzir odores;
Passar um “desodorante” nas roupas antes de vesti-las;
Lavar as peças sintéticas dentro de sacos feitos com nanofiltros;
Reduzir o consumo de sintéticos e valorizar fibras naturais.
VÍDEO: OMS indica que ser humano vem consumindo microplásticos
Pela primeira vez, em outubro do ano passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) fez um estudo sobre o impacto dos microplásticos na saúde. Nos últimos anos, várias pesquisas têm alertado para a presença desses resíduos na água e na cadeia alimentar. Isso significa que estamos ingerindo plástico.
Estudo OMS indica que ser humano vem consumindo microplásticos