Economia

Crise reduz poder de compra e muda perfil de consumo da classe média

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Renda disponível para consumo da classe C cai quase 10% em cinco anos e, ao mesmo tempo, gastos básicos pesam mais no bolso por conta do alto índice de inflação e crise econômica do país. Renda disponível para consumo da classe C caiu quase 10% em cinco anos
Edson Chagas/ A Gazeta
A classe média brasileira encolheu – e tem menos dinheiro para gastar. Nos últimos cinco anos, a renda disponível para consumo da classe C caiu quase 10%, passando de R$ 286 milhões para R$ 259 milhões, segundo levantamento realizado pela consultoria Tendências.
O orçamento mais apertado – além das restrições provocadas pela pandemia – levou a mudanças nos hábitos de consumo, que ficaram mais limitados e enxutos: roupas, carro zero, eletrodomésticos e até plano de saúde saíram do radar de muitas famílias de classe média no país.
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Além da redução de renda, as famílias também sentiram no bolso a alta dos preços dos alimentos: o índice “Custo de Vida por Classes Sociais” de março aponta que a variação dos custos de alimentação das famílias da Região Metropolitana de São Paulo da classe C, em 12 meses, foi de 12,4%. Para as da classe A, foi de 9,34%, segundo dados da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) divulgados ao G1.
Gastos maiores, consumo menor
Com menos renda disponível e maior peso em gastos básicos, como alimentação e transporte, a grande parte da classe C tem de cortar despesas importantes, mas insustentáveis financeiramente diante do atual quadro econômico de inflação acima do teto da meta, dólar elevado, alto índice de desemprego e o chamado risco fiscal.
“Houve uma deterioração do poder de compra da classe média. Algumas famílias tiveram de fazer escolhas para pagar as contas, como reduzir a qualidade do plano de saúde, cortar o lazer e cancelar a TV por assinatura. Nem poupança elas estão conseguindo fazer mais”, afirmou Guilherme Dietze, assessor econômico da FecomercioSP.
Critério de classificação econômica
Economia G1
Na avaliação de Márcio Pochmann, professor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a pandemia aumentou a polarização entre a classe média alta e a classe média baixa — gerando um lacuna entre a classe média tradicional.
“Com investimento público, a gente poderia reaver parte do poder de compra que perdemos. O país deve recompor parte do setor produtivo das empresas. Desde 2015, não voltamos a crescer”, analisou o economia, que já foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
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Classe média compra menos e gasta mais
G1
Isabela Tavares, economista da Tendências Consultoria, acrescenta que 88% da classe C é composta por trabalhadores — profissionais que foram duramente impactados pelo desemprego e pelo agravamento da pandemia em 2021.
No trimestre encerrado em janeiro, por exemplo, o desemprego no Brasil ficou em 14,2%, a maior taxa já registrada para o período desde o início da pesquisa, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Com a crise, a massa da classe C deve cair 2,7% em 2021, em relação a 2020. A classe média deve ter recuperação lenta porque todo esse quadro de pandemia deve atrasar a retomada do mercado de trabalho”, avaliou a economista.
Impacto no consumo
Na hora reajustar os gastos, Isabela afirma que roupas, carro zero, alimentação fora do lar, viagens, entretenimento e eletrodomésticos acabam sendo eliminados dos gastos da “nova classe média”.
De acordo com a Federação Nacional Distribuição Veículos Automotores (Fenabrave), a venda de veículos novos de 2008 para 2020 caiu 23% por conta da pandemia, passando de 2 milhões para 1,6 milhão em 2020. Do primeiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, a retração é de 6,5% (confira gráfico abaixo).
Com o mercado de veículos novos em baixa e a economia sem previsão para retomada, a classe média está optando por carros usados e seminovos — quando essa aquisição ainda cabe no orçamento.
Impacto da ‘nova classe média’ no consumo
G1
“Em 2020, quando ocorreu a primeira onda da pandemia, tínhamos estoques e a indústria trabalhava sem problemas de abastecimento. Hoje, os estoques praticamente não existem”, analisou Alarico Assumpção Júnior, presidente da federação.
No turismo, o número de brasileiros que viajaram por agências do setor caiu durante a crise financeira de 2015, voltou a se recuperar em 2018 e 2019, mas sofreu uma queda novamente com as restrições causadas pela pandemia da Covid-19, segundo a Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa).
“O volume de passageiros transportados nos últimos dez anos foi mais regular, com reduções nos períodos mais conturbados (2015 e 2016). Ainda assim, houve um aumento de 35,83% no período, saindo de R$ 4,8 milhões em 2010 para R$ 6,52 milhões em 2019”, informou a associação, em seu anuário 2021, divulgado na terça-feira (20).
Para Dietze, da FecomercioSP, será difícil recompor o poder de compra da classe média, uma vez que saímos de uma crise [de 2015] e “levamos um novo nocaute com a Covid-19”. No entanto, assim que o país avançar com a vacinação em massa, ele acredita que os primeiros efeitos positivos começarão a ser sentidos na economia.
“Os efeitos serão positivos quando tivermos mais previsibilidade. Precisamos entender que uma economia de 200 milhões de habitantes não vai se recuperar de uma hora para outra. Até porque ano que vem teremos eleições. Em dois ou três anos,  o cenário será mais favorável para a classe média”, disse.