Meio Ambiente

Crise da água no Rio é resultado de décadas de descaso com bacia hidrográfica, diz engenheira química

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Estação de tratamento de água do Guandu, que abastece grande parte do Rio de Janeiro
Reprodução/ TV Globo
Estava pronta para trazer aos leitores algumas observações sobre um bom livro que recebi, em que há excelentes reflexões sobre a saúde humana à luz da cronobiologia, um dos princípios ayurveda, um conhecimento médico indiano milenar. Mas uma mensagem no meu telefone acabou trazendo a necessidade de voltar ao tema da água no Rio de Janeiro. Afinal, o mote continua sendo o mesmo, a saúde.
Não posso deixar de dividir com vocês a preocupação de uma especialista, a engenheira química e mestre em engenharia urbana e ambiental Cristina Mendonça. Ela leu meu texto anterior, em que exponho pensamentos sobre a condição da água que bebemos, compartilha a minha decisão de comprar água mineral e decidiu me contar sua perplexidade ao abrir o site da Vigilância Sanitária e perceber a quantidade de “pontos insatisfatórios”, na avaliação microbiológica da água servida na cidade:
“Água potável não deveria ter pontos classificados como insatisfatórios. E há vários. Eu, como cidadã, desconhecia isto. Será que fizeram outras amostragens depois dessas? É preciso checar isto”, disse ela.
Cristina utilizou o canal 1746, da Prefeitura, para tirar essas dúvidas e recebeu a notícia de que vai obter as respostas daqui a 21 dias. No site do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade de Água para Consumo Humano (Sisagua), ela também deu todos os dados pedidos e recebeu uma mensagem dizendo que o gestor vai analisar se ela poderá ter acesso ou não aos dados que já estão ali: “Deveria ser uma coisa de fácil acesso!”.
“O que estou percebendo entre ontem à noite (14) e hoje é que prevalece a tendência de achar um bode expiatório”, disse ela, referindo-se à exoneração do chefe da Estação de Tratamento de Água do Guandu, determinada pelo governador Witzel e informada à população pelo twitter depois que ele chegou de viagem de férias a Orlando.
Uma das providências anunciada pela Cedae foi a aplicação de carvão ativado, na semana que vem, como forma de tratar a água. O presidente da Cedae, Helio Cabral, anunciou isto quando falou à imprensa hoje (15), treze dias após o início da crise. Perguntei a Cristina Mendonça se esta pode ser uma solução ao problema:
“Não sei, não tenho uma resposta agora para você sobre isto. A Cedae informa que esta Geosmina é produzida por algas, mas em algumas reportagens já li sobre a presença de cianobactérias, que pode produzir geosmina. A questão é que as cianobactérias podem produzir também cianotoxinas, que são tóxicas ao ser humano. Há vários trabalhos científicos que mostram o tratamento disso. Estamos herdando décadas de descaso e degradação da bacia hidrográfica mas o desmonte do corpo técnico, neste atual governo, aprofunda isto”, disse Cristina Mendonça.
Já no fim de nossa conversa, Cristina mandou-me um link sobre uma reportagem exibida há um ano dando conta de que há uma montanha de lixo químico produzido pela CSN ameaçando o Rio Paraíba do Sul em Volta Redonda. Eu não soube responder a pergunta dela: “Qual o status desta situação hoje?”. Entrei no site da companhia e não há referência ao caso. É aflitivo. E, como diz Cristina, as informações truncadas dão mais insegurança do que os números em si que aparecem nos sites.
Compartilhei com ela, logo depois, a notícia no site do Cebds (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) que tranquiliza um pouco mais. A reportagem no site da organização mostra que técnicos da Vigilância Sanitária estão em ação, colhendo e analisando amostras em 12 pontos da cidade. E que a Cedae será notificada imediatamente sobre as alterações encontradas.
Já que minha ideia inicial neste texto era falar sobre saúde, vamos em frente. A solução, por ora, é comprar água mineral ou ferver a água filtrada. Ontem mesmo, na padaria aqui perto de casa, só havia garrafinha de 300 ml, a R$ 3,50 cada uma. Estamos vivendo uma crise no Estado, há 1,2 milhões de pessoas desempregadas que não podem dispor deste valor para beber água, levando em conta que já pagam, mensalmente, à Cedae. Mesmo quem está com carteira assinada e ganha um salário que até agora era de R$ 998,00 não pode fazer este gasto. O jeito vai ser ferver a água e pagar mais para a Companhia de Gás.
O que cobrar das autoridades neste instante? Limpar os rios que deságuam no Guandu, é claro. Mas, além disso, atuar no saneamento para evitar que o esgoto caia nos leitos. E proteger as margens com o reflorestamento. Não é uma receita muito difícil, mas precisa que a saúde da população seja levada a sério. E precisa que a população perceba esta urgência, que cobre por ela. Lembrando que entramos em ano eleitora, também é bom lembrar que os candidatos precisam mostrar, em suas plataformas, alguma atenção ao fato. Cuidar da segurança pública é importante, sim, mas existe todo um arcabouço de outros cuidados necessários na administração que são urgentes.
Além disso, como mencionei no texto anterior, é preciso dar ao corpo humano condições para que ele se proteja. Cuidar de si vai ser, cada vez mais, o caminho da saúde no futuro. Isto inclui uma alimentação adequada, sem a carga de agrotóxicos que, muitas vezes, somos obrigados a ingerir. Assim como, é preciso tentar escapar dos aditivos químicos, dos conservantes que são postos nos produtos vendidos em embalagens, e isto depende muito de uma alteração substancial na dieta. Descascar mais do que desembalar é a boa opção.
Antes de dar um fechamento a minhas reflexões, leio que o presidente Jair Bolsonaro está comemorando o fato de o Brasil estar “bastante adiantado” nos critérios para entrar na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma espécie de “clube de países ricos”. E me pergunto, sinceramente, qual o valor que dão à saúde humana na escolha de tais critérios.