Medida provisória amplia possibilidade de regularizar áreas ocupadas por meio do critério de ‘autodeclaração’. MP vence no dia 19, mas acordo prevê votação de um projeto de lei. Por falta de acordo, a Câmara dos Deputados encerrou a sessão desta terça-feira (12) sem votar a medida provisória que amplia a possibilidade de regularização fundiária de terras da União, ocupadas irregularmente, pelo critério da “autodeclaração”.
Isso significa que, em vez de uma equipe do governo vistoriar e medir a área, caberá ao próprio ocupante da terra informar a extensão e os limites da propriedade. O governo diz que só entregará o título após verificar os dados, mas ainda não informou como será feita a checagem.
O texto foi enviado pelo governo Jair Bolsonaro em dezembro e teria de ser votado até 19 de maio para não perder validade.
Para contornar a situação, os partidos concordaram em discutir o assunto, mas por meio de um projeto de lei, na próxima semana, possivelmente na quarta-feira (20), quando a MP já terá perdido a validade. Para esta quarta-feira (13), está prevista uma reunião de líderes, a fim de se definir os detalhes de como será a votação.
Ao encerrar a sessão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que respeitava a opinião dos que defendiam a votação nesta terça, mas ponderou que talvez não houvesse tempo hábil para a matéria ser votada pelo Senado dentro do prazo.
Ele se comprometeu a colocar o tema em votação na semana que vem em respeito à maioria na Câmara, favorável ao texto. “Tenho esse compromisso que nós votemos na próxima semana essa matéria, porque ela tem maioria, precisa ser respeitada, mas respeitar a minoria é garantir a essas minorias o espaço necessário no Congresso brasileiro”, disse.
Controversa, a matéria opõe parlamentares ruralistas (favoráveis à MP) e deputados ligados ao meio ambiente (contrários às novas regras) e houve divisão dentro dos próprios partidos.
Diante do impasse, o líder do MDB, Baleia Rossi (SP), sugeriu fazer a discussão via projeto de lei, que não precisa ter uma tramitação tão célere quanto uma medida provisória.
Por se tratar de uma MP, a medida entrou em vigor imediatamente ao ser editada pelo governo em dezembro, mas precisa ser votada pelo Congresso em até 120 dias para não perder validade.
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Adiamento da sessão
Insatisfeito, o líder do PP, Arthur Lira (PP-AL), reclamou que o pedido do MDB não havia sido “combinado” com a maioria dos partidos do bloco do qual ambos fazem parte e insistiu na votação nesta terça.
“Se nós não deixarmos claro como vai ser o nível desse acordo, de mérito, inclusive, é melhor enfrentar o problema com antecedência”, afirmou.
O líder do governo, Vitor Hugo (PSL-GO), também questionou o que a maioria ganharia com esse adiamento.
“Se é um acordo, qual é a vantagem processual para essa maioria que foi formada agora, que venceria se nós avançássemos agora?”, perguntou.
Segundo Maia, o adiamento “respeita o acordo feito lá atrás por todos”, de votar apenas matérias de consenso ou relacionadas ao enfrentamento ao novo coronavírus.
“Que a gente possa construir essas pautas com entendimento e que a gente não crie uma relação de estressamento maior entre os parlamentares com visões diferentes, como nessa questão, do agronegócio e do meio ambiente”, afirmou.
Ainda de acordo com o presidente da Câmara, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), concordou em tratar o tema por meio de projeto de lei.
Polêmica
A inclusão da matéria na pauta da sessão desta terça já havia provocada polêmica. Partidos críticos ao texto argumentaram que o acordo entre os líderes era que só seriam pautados temas em que houvesse certo consenso durante o período em que as sessões são remotas em razão da pandemia de coronavírus.
Segundo líderes, a pressão pela inclusão foi capitaneada por deputados do Centrão e pela bancada do agronegócio, além do próprio governo Bolsonaro.
Entenda a MP
A regularização de terras por meio de autodeclaração é baseada em informações fornecidas pelos próprios ocupantes do imóvel rural, sem a necessidade de uma inspeção de campo ou vistoria de autoridades no local.
Esse processo de declaração existe desde 2009, com a criação do programa Terra Legal, do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário. O que muda é que a MP aumenta o tamanho das propriedades que podem solicitar esse tipo de verificação.
O texto enviado pelo governo ampliava de 4 módulos fiscais para 15 módulos o tamanho de imóveis que poderiam ser legalizados por meio da autodeclaração. O módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares, a depender das características de cada município em cada região do país.
A mudança desagradou a ala ambientalista da Câmara, que viu na medida uma forma de estímulo à grilagem. Após negociações, o relator reduziu o tamanho máximo da propriedade para seis módulos.
Segundo o texto, a regularização será feita “por meio de declaração do ocupante, sujeita à responsabilização penal, civil e administrativa”.
O relator ainda determinou que as regras de regularização só valerão para ocupações em terras da União feitas antes de 22 julho de 2008. No texto original, enviado pelo governo, o marco temporal estabelecido era 5 de maio de 2014, o que abrangeria um maior número de imóveis.
Como ficam as regras
A medida provisória altera leis que tratam de contratos e licitações com a administração pública, regularização fundiária em terras da União e registros públicos.
Os requisitos para a regularização fundiária de imóveis com até seis módulos fiscais serão feitos por meio de declaração do ocupante, que deverá apresentar:
a planta e o memorial descritivo do terreno, ambos assinados por profissional habilitado e com as coordenadas técnicas do imóvel;
e o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
É obrigação de quem fizer o pedido:
não ser proprietário de outro imóvel rural em qualquer parte do território nacional e não ter sido beneficiado em programa de reforma agrária ou de regularização fundiária rural;
exercer ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriormente a 22 de julho de 2008;
praticar cultura efetiva na área;
não exercer cargo ou emprego público no Ministério da Economia, Ministério da Agricultura, no Incra ou nos órgãos estaduais e distrital de terras;
não manter em sua propriedade trabalhadores em condições análogas às de escravos;
não tentar regularizar imóvel sob embargo ambiental ou que seja objeto de infração do órgão ambiental federal, estadual, distrital ou municipal.
Segundo o Incra, o produtor deverá ir até uma regional do instituto para assinar uma declaração e entregar os documentos exigidos, que serão lançados em um sistema digital para checagem.
Ainda caberá ao Incra fazer a checagem dos dados, a ser realizada via internet, com análise de documentos e monitoramento via satélite.
Conforme o texto, as propriedades com até seis módulos fiscais passarão obrigatoriamente por inspeções antes da regularização, mas só nas seguintes situações:
se o imóvel for objeto de termo de embargo ou de infração ambiental, lavrado pelo órgão ambiental federal;
se o imóvel tiver indícios de fracionamento fraudulento da unidade econômica de exploração;
se o requerimento de registro for realizado por meio de procuração;
se existir conflito declarado ou registrado na Ouvidoria Agrária Nacional;
se houver ausência de indícios de ocupação ou de exploração, anterior a 22 de julho de 2008, verificada por meio de técnicas de sensoriamento remoto.
Comunidades tradicionais e quilombolas
Na versão original assinada por Jair Bolsonaro, a MP abria espaço para que a regularização de terras ocupadas por comunidades tradicionais e quilombolas fosse feita em nome de terceiros. O trecho, no entanto, foi retirado pelo relator.
Segundo a análise do relator, a supressão desse trecho impede “que a regularização fundiária na Amazônia Legal possa gerar a descaracterização do modo de apropriação da terra por essas comunidades”.
O texto permite também a regularização de cooperativas de agricultores familiares conforme as regras previstas na MP, desde que tenham inscrição ativa no Cadastro de Agricultura Familiar e/ou Declaração de Aptidão (DAP).
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