Economia

Renda menor, contas atrasadas e conformismo: os impactos da redução de jornada ou suspensão de contrato

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O G1 ouviu trabalhadores com carteira assinada que entraram no programa do governo que paga uma complementação financeira. Todos relatam queda significativa na renda, mas se dizem aliviados com a garantia de manutenção provisória do emprego. Trabalhadores relatam os impactos da redução de jornada ou suspensão de contrato na renda mensal
Arquivo pessoal
Mais de 7,5 milhões de brasileiros com carteira assinada já tiveram redução de salário ou contrato suspenso, e entraram no programa do governo federal que paga uma complementação financeira equivalente ao valor mensal do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito em caso de demissão, ou a uma parte dele.
Trabalhadores como o vendedor Arnoud de Angili Júnior, o garçom Medio Ritzel e a assistente administrativa Rosangela Santos Ciotto relatam uma queda significativa na renda, contas atrasadas, além de preocupações com a data de pagamento do benefício emergencial. Mesmo assim, eles se dizem aliviados com a garantia de manutenção provisória do emprego.
A Medida Provisória 936, que criou o programa, prevê a garantia no emprego por um período igual ao da suspensão do contrato ou de corte da jornada. Em razão da pandemia, o governo autorizou redução de jornada e salário de 25%, 50% ou de 70% por um prazo máximo de 90 dias. A medida também permite a suspensão total do contrato de trabalho por até dois meses.
Leia abaixo as histórias de trabalhadores que entraram no chamado o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) e veja os principais números e impactos do programa.
1 em cada 5 trabalhadores formais já teve redução de salário ou contrato suspenso
Trabalhador que teve jornada reduzida ou contrato suspenso pode verificar pagamento de benefício na Carteira de Trabalho Digital
Veja perguntas e respostas
Vendedor calcula perda de 70% na renda
Arnoud de Angili Júnior teve redução de 50% na jornada, mas considera importante manter o emprego
Arquivo pessoal
O vendedor Arnoud de Angili Júnior, de 40 anos, já recebeu neste mês o salário com a redução de 50%. Com sete meses de empresa, ele passou a trabalhar em dias alternados.
Angili Júnior calcula uma queda de 70% na renda, já que a maior parte dela vem das comissões, e o benefício complementar pago pelo governo não incide sobre o que ele recebe das porcentagens nas vendas, apenas no salário fixo pago pela empresa.
“Sinceramente pensei que foi o melhor que poderia ter acontecido. Muitas pessoas perderam seus empregos, e o meu, mesmo reduzindo a carga horária, ainda está garantido”, comenta.
O vendedor afirma que costuma guardar dinheiro para emergências e que conseguiu quitar as contas de março e abril. Mas a partir deste mês ele começou a ficar preocupado com as despesas de casa, incluindo o aluguel, já que todo a reserva acabou. Angili Júnior é casado, mas há cerca de um ano sustenta a casa sozinho.
“A fatura do cartão eu negociei e parcelei, no resto estou tentando economizar ao máximo, como no supermercado, comprando marcas mais baratas, parei também de pedir comida em casa e não compro mais nada supérfluo”, diz.
Angili Júnior passou a dar banho em seu cachorro em casa. “Brinquedos não tem como comprar. Mas estou conseguindo desconto na ração dele, o que tem ajudado muito. E tenho sorte de ele não dar despesas em veterinário”, acrescenta.
‘Não recebi nada ainda’
Medio Ritzel, de 49 anos, teve o contrato suspenso por dois meses
Arquivo pessoal
Sem poder atender clientes desde que a pizzaria onde trabalha foi proibida de funcionar em razão das restrições para tentar conter a propagação do coronavírus, o garçom Medio Ritzel, o Alemão, de 49 anos, aceitou a proposta feita pelo patrão de suspender o contrato de trabalho por 2 meses.
“A gente tem que aceitar porque é para o bem da gente também. Depois que voltar tem a garantia do emprego. Isso é importante, principalmente na minha idade”, afirma.
Ele calcula que a sua renda cairá ao menos pela metade nesse período, já que boa parte dela vem das gorjetas e o benefício complementar pago pelo governo é calculado apenas em cima do salário fixo.
“Eles dizem que o valor é equivalente ao seguro-desemprego. É ruim, porque a gente não vive só do salário de garçom. Felizmente eu não pago aluguel, mas é complicado. Tem contas que têm que atrasar, não tem jeito. Meu cartão de crédito mesmo deixei atrasar esse mês”, diz.
Sua maior preocupação, porém, é com a demora no pagamento do benefício.
“O pedido foi feito no começo de abril e até hoje não recebi nada ainda. Lá do meu trabalho ninguém recebeu nada do governo ainda”, reclama o garçom.
Sua expectativa é que os restaurantes sejam autorizados a reabrir em São Paulo a partir de junho. Mas mesmo com o possível retorno, ele avalia que corre o risco de ter a jornada reduzida. “É bem provável que eu trabalhe um dia e folgue outro, o que vai reduzir o salário da mesmo forma”, afirma.
‘Melhor que nada e melhor que o desemprego’
Rosangela Santos Ciotto considerou queda na renda considerável, mas acha melhor que o desemprego
Arquivo pessoal
A assistente administrativa Rosangela Santos Ciotto, de 40 anos, recebeu a proposta de redução de salário em 70% em 23 de abril e assinou o acordo nesta semana, quando retornou ao trabalho após ficar mais de 50 dias sem trabalhar.
“Minha única dúvida agora é em que conta serão depositados os 70% que virão do governo. Eu ainda não sei. Nem em qual data. Essa é minha maior preocupação”, diz.
Rosangela vai trabalhar somente às segundas e terças-feiras, das 8h às 15h, durante os três meses da redução da jornada. Ela calcula que, com essa redução de jornada, sua renda cairá de 30% a 40%, já que metade da sua renda vem de comissões, e as vendas estão fracas. Ela trabalha em um centro de distribuição de roupas e administra pedidos de representantes, recebendo comissão sobre o faturamento.
“É preocupante, tem um valor considerável que vai me fazer falta, mas é melhor que nada e melhor que o desemprego. Pelo menos ficamos ‘seguros’ nesse período”, diz.
Ele conta que, desde que estava em férias coletivas no mês passado, começou a cortar gastos considerados supérfluos, como shampoos, cremes, perfumes e maquiagem. “Também não compro mais comida de fora, fazia isso pelo menos duas vezes por semana. Também diminuí compra de bebidas”, afirma.
O marido de Rosangela tem dois empregos, mas ambos foram afetados pela pandemia e ele também teve queda na renda.
“Vou ter de usar meu dinheiro com mais cuidado para conseguir pagar as contas sem dificuldades. Não tenho mais dinheiro guardado, no fim de dezembro gastei o que eu tinha da reserva numa viagem”, diz.
A assistente administrativa ainda teve um gasto inesperado neste mês com um de seus três gatos que teve pneumonia. Ela teve que parcelar cerca de R$ 1 mil no cartão de crédito. “Estávamos planejando trocar o carro neste ano, não vai dar mais. É segurar até normalizar tudo”.
‘Medo de não conseguir pagar as contas’
Alexandre Luiz Marquezin Mendes achou acordo vantajoso, apesar de queda de 40% na renda
Arquivo pessoal
O embalador Alexandre Luiz Marquezin Mendes, de 38 anos, também assinou nesta semana o acordo de redução de 70% da jornada de trabalho. Com essa mudança em seu contrato, por três meses, ele receberá 30% do salário fixo mais 70% da parcela do seguro-desemprego a que teria direito se fosse demitido.
Antes de assinar o novo contrato, Mendes conta que se informou sobre o assunto e que o setor de RH da empresa do setor de vestuário havia entrado em contato com ele duas semanas antes para comunicar a mudança.
Há 10 anos no emprego, considerou o acordo vantajoso, apesar de calcular que terá uma queda de 40% na renda. “No meu caso, sou recém-casado e pago aluguel, preciso trabalhar”, diz.
Ele comenta que o único ponto que o preocupa é o prazo para a liberação da parcela dos 70% que será paga pelo governo diretamente na sua conta, o chamado benefício emergencial. A parte dos 30% do seu salário será paga pela empresa sempre no 5º dia útil.
Mendes voltou a trabalhar nesta semana, já em sistema de redução de jornada – trabalhará apenas 14 horas em dois dias por semana. Ele estava parado desde o dia 20 de março após a empresa usar o banco de horas dos funcionários e dar férias coletivas.
“Depois do dia 20, quando fiquei em casa, no começo da pandemia, eu e meu marido já começamos a ficar com medo de não conseguir pagar as contas, mas aos poucos estamos nos virando. Algumas contas pagamos atrasado. Juntamos os nossos salários, porque em abril, como estava de férias, não recebi vale-alimentação”, conta.
Mendes diz que conseguiu quitar algumas dívidas que estavam pendentes com o dinheiro que recebeu das férias. Agora a preocupação é pagar o aluguel e as contas de água, luz, internet e compras do supermercado. Ele negociou o pagamento do aluguel com a dona da casa onde mora e conseguiu reduzir o valor pela metade nos meses de abril e maio.
O que tem ajudado, segundo ele, são as encomendas de bolo e doces que o marido de Mendes tem feito em casa. “Penso que podemos fazer isso como fonte de renda ao menos nessa época com mais intensidade”, afirma.
‘Estou cortando despesas de mercado’
Jaqueline Simenie terá de assumir os gastos de casa porque marido também teve corte no salário
Arquivo pessoal
A supervisora de carga Jaqueline Simenie, de 33 anos, lamenta a diminuição de aproximadamente R$ 500 no seu salário. Ela fez acordo com a empresa de redução de 70% na jornada, o que levou a cerca de 30% de queda na sua renda mensal.
O marido dela também assinou o acordo de redução da jornada, no caso, de 50%. “A minha empresa é correta, mas a dele é muito bagunçada, paga quando dá, não garante nada”, comenta.
Por isso, a supervisora assumiu que terá de manter a casa praticamente sozinha e já começou a cortar os gastos.
“Estou cortando despesas de mercado, passei a fazer unhas e cabelo em casa, não gasto mais com comida de fora. E terei de parar a construção da minha casa”, lamenta.
Apesar disso, a supervisora tem esperança que as coisas vão melhorar. “Acho que em junho já estaremos normal”, prevê. Mas, até lá, ela pretende continuar cortando os gastos. “Se der, vou cortar ainda mais”, afirma.
Benefício emergencial médio de R$ 720
Segundo o ultimo balanço divulgado pelo governo com o detalhamento dos acordos fechados até 12 de maio, a médio do benefício pago pelo governo é de R$ 720,73, com valores variando de R$ 261,25 até o máximo de R$ 1.813,00, conforme as regras definidas pela medida provisória.
Pelo desenho do programa, salários mais altos tendem a ter uma queda maior na renda mensal, ao passo que para trabalhadores com os salários mais baixos a reposição salarial é maior.
Embora o governo não tenha divulgado detalhamento dos acordos por faixa salarial e setores da economia, a média de benefício abaixo de R$ 750 sinaliza que a maior parte dos trabalhadores impactados estejam nas faixas salariais de até 2 salários mínimos.
Como ficam os salários com a redução de jornada? Veja simulações
De acordo com as últimas informações divulgadas pelo Ministério da Economia, os acordos relacionados à suspensão de contratos representam a maior fatia, com 54,9% do total. Veja gráfico abaixo:
Distribuição por tipo de acordo
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Até sindicato adota redução de jornada e de salário
A dispensa de aval de sindicatos para acordos trabalhistas de redução de jornada chegou a ser alvo de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF), mas os ministros decidiram pela validade imediata os acordos individuais entre patrões e empregados durante a pandemia para quem ganha até três salários mínimos (ou seja, até R$ 3.135) ou acima de R$ 12.202,12.
Apesar das críticas, até mesmo sindicatos decidiram entrar no programa do governo federal.
O Sindicato dos Comerciários de São Paulo, por exemplo, reduziu em 50% a jornada de trabalho de todos os seus 259 funcionários, incluindo os da diretoria.
“Estamos com lojas fechadas, muitas delas mandando os trabalhadores embora, e com muitos sócios do sindicato sendo dispensados. Nós também nos vimos obrigados a utilizar o mesmo sistema, reduzindo a jornada e tendo esse complemento do governo”, afirma Ricardo Patah, presidente do sindicato. Ele calcula que a queda na renda mensal dos funcionários do sindicato será da ordem de 8%.
Programa dá alívio, mas demissões continuam ocorrendo
Somente na cidade de São Paulo, o sindicato estima que 50 mil trabalhadores do comércio tiveram suspensão de contrato e que 30 mil tiveram jornada reduzida, dentro de um universo de cerca de 400 mil. Segundo Patah, outros 50 mil teriam sido demitidos.
“A demissão está ocorrendo e é muito grande. Não houve, a meu ver, um espírito de solidariedade empresarial nesse momento”, critica Patah.
Pedidos de seguro-desemprego somaram 748 mil em abril, alta de 40% em relação a março
É consenso, porém, entre empresários e economistas que, sem o programa, o número de demissões seria ainda maior.
“Essa MP salvou 2 milhões de postos de trabalho no nosso setor”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci. A entidade estima que 1 milhão de postos de trabalho foram extintos desde o início da pandemia no segmento e que este número poderia chegar a 3 milhões sem o programa federal.
Ao anunciar o programa, o Ministério da Economia projetou um aumento de 3,2 milhões no número de demissões no país contra um total de 12 milhões sem a medida.
Advogada trabalhista orienta sobre redução de jornada e salários
Governo estima atender até 24,5 milhões de trabalhadores
O número de adesões ao programa segue bem abaixo do esperado pelo governo. Quando lançou o programa, no dia 1º de abril, a equipe econômica estimou atender 24,5 milhões de trabalhadores formais. Ou seja, mais de 3 vezes o número de acordos fechados até o momento.
“O desemprego irá aumentar mesmo com o programa. A crise vai ser muito dramática. A produção industrial, por exemplo, caiu 9% em março, foi uma queda muito brusca. A nossa projeção é que a taxa de desemprego feche o ano em mais de 18%”, afirma o economista Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV/IBRE.
Procurada pelo G1, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho disse que as previsões estão mantidas, avaliou que “o desempenho do programa é bastante satisfatório” e destacou que “a vigência do programa está relacionada ao estado de calamidade da pandemia, previsto para se encerrar em 31 de dezembro”.
Como aderir e acompanhar o pagamento
Os pagamentos começaram na primeira semana de maio e serão feitos pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal.
Segundo o Ministério da Economia, a primeira parcela do benefício será paga ao trabalhador no prazo de 30 dias, contados a partir da data da celebração do acordo, desde que o empregador informe ao ministério em até 10 dias. Caso contrário, o benefício somente será pago 30 dias após a data da informação.
Para verificar os dados e valores, os trabalhadores devem consultar a aba de benefícios da Carteira de Trabalho Digital, no quadro posicionado acima das respectivas áreas para seguro-desemprego e abono salarial.
A solicitação do benefício emergencial deve ser feita pelo empregador diretamente no portal do Ministério da Economia (https://servicos.mte.gov.br/bem/#empregador). O trabalhador pode acompanhar o processamento do pedido por meio do endereço https://servicos.mte.gov.br/#/trabalhador e pelo aplicativo Carteira de Trabalho Digital.