Meio Ambiente

Quais são as questões que colocam o agro no centro das polêmicas sobre preservação do meio ambiente?

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Associação da pecuária com devastação da Amazônia e emissões de carbono tem aumentado a pressão internacional sobre o país. Na cúpula de líderes sobre clima, nesta quinta (22), Bolsonaro prometeu acabar com desmatamento ilegal e reduzir emissões até 2030. Redenção, cidade do Pará, perdeu grande parte da cobertura vegetal por conta da atividade pecuária
Paulo Whitaker/Reuters
A pressão internacional sobre o agronegócio brasileiro tem aumentado nos últimos anos, com notícias de aumento da devastação da Amazônia, onde está grande parte do rebanho bovino do país.
Na cúpula de líderes sobre clima, nesta quinta (22), liderada pelo novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o presidente Jair Bolsonaro anunciou o compromisso de acabar com desmatamento ilegal e reduzir emissões (de gases que causam o aquecimento global) até 2030.
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Veja abaixo quais são as questões que colocam o agro no centro dessas ações e das polêmicas sobre preservação do meio ambiente.
Pecuária X desmatamento
O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo. O rebanho se concentra justamente no cerrado e na Amazônia.
A chegada da produção agropecuária na região amazônica foi estimulada pelo governo federal desde a década de 1950, segundo pesquisadores, e isso foi intensificado durante a ditadura militar.
A intenção era ocupar uma região extensa do país, para evitar que fosse invadida por estrangeiros. Na época, não havia a preocupação com o desmatamento e seus efeitos, diferentemente do que ocorre desde os anos 1990.
A plataforma Mapbiomas aponta que, entre 1985 e 2018, 41,9 milhões de hectares de floresta viraram pastagem. Isso significa que 88% do incremento da área de pecuária na região veio da derrubada de florestas.
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Rodrigo Sanches/G1
Ainda hoje, a pecuária é associada por ambientalistas ao desmatamento ilegal, sendo apontada como razão das queimadas feitas por invasores para abrir novos pastos, derrubando a floresta.
O uso da criação de gado é uma tática comum para a grilagem e para a especulação imobiliária, não sendo, assim, uma atividade ligada ao agronegócio, dizem os pesquisadores.
Com a criação de gado, esses grileiros simulam que área invadida é uma propriedade rural sem registro, a fim de regularizar a posse. A intenção é vendê-la depois, para um produtor ou empresa do setor (leia mais sobre regularização de terras abaixo).
“Desmatar não é fácil e nem barato. A pecuária acaba sendo a forma menos complicada e de baixo investimento para ocupar uma área para especulação e grilagem. É uma desculpa para o grileiro justificar o uso da terra (e conseguir o título da área)”, explicou Marcelo Stabile, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) ao G1, na reportagem que explicou por que existe tanto gado na Amazônia, publicada em 2020.
“No fim, o ganho dele (grileiro) não é com a produção de carne, mas com a venda da terra”, disse o pesquisador.
Na cúpula de líderes sobre o clima, nesta quinta (22), Bolsonaro falou sobre “o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030 com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal”.
O novo Código Florestal, que é a legislação ambiental do país, foi aprovado ainda em 2012. Ele trouxe regras para a produção agropecuária na Amazônia. De acordo com a lei, o produtor rural da região tem direito a desmatar 20% da fazenda para a atividade. Os outros 80% devem ser preservados.
O código também deu anistia de multas e punições para produtores rurais que desmataram antes de 2008. Depois desta data, o agropecuarista que desmatou ilegalmente deverá ser punido.
Mas, em 2019, uma medida provisória do governo Bolsonaro tentou ampliar esse prazo na Amazônia Legal e foi alvo de críticas (saiba mais no item regularização de terras).
Naquele ano, as queimadas na Amazônia foram noticiadas no mundo todo e a ligação entre a agropecuária e a devastação da floresta ganhou proporções internacionais, com ameaças de boicote e até o fim das compras de produtos brasileiros.
Essa pressão continua até hoje, enquanto a Amazônia segue tendo números altos de desmatamento.
Preocupados com a repercussão negativa, pecuaristas, indústrias, restaurantes e varejo tentam mostrar que é possível conciliar floresta com atividade econômica. O setor diz que apoia a preservação e afirma que tem sido cada vez mais exigente em relação à carne produzida na Amazônia.
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Mesmo assim, em 2020, o Ministério Público Federal afirmou ao G1 que ainda não era possível garantir que a carne bovina que chega aos consumidores está livre do desmatamento.
O problema passa ainda por fornecedores indiretos, que são aqueles que vendem bezerros e boi magro para engordar em fazendas regulares e que não são fiscalizados por governos e empresas.
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A produção da soja, que o Brasil também lidera, foi alvo de críticas recentes do presidente francês Emmanuel Macron, que disse que depender do grão brasileiro “é endossar o desmatamento da Amazônia. Na fala, ele não apresentou dados que corroborassem com suas declarações
Os agricultores reagiram, citando a Moratória da Soja, iniciativa criada em 2008 e reconhecida internacionalmente, que monitora, identifica e bloqueia a aquisição de soja produzida em área desmatada.
Produtores, no entanto, chegaram a pedir o fim desse acordo em 2019, sem sucesso, dizendo que ela contraria o Código Florestal. O acordo também já foi criticado pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
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A França, por sua vez, se prepara para produzir leguminosas para reduzir dependência da soja brasileira e, assim, poderá ser um potencial concorrente nas vendas do Brasil à Europa.
Regularização de terras
Se grileiros usam a pecuária para obter a posse de terras que antes eram florestas, o combate ao desmatamento ilegal, portanto, passa pela regularização e a fiscalização dessas áreas.
É na Amazônia que se concentra a maior parte das terras públicas não destinadas no país – ou seja, que não viraram parques nacionais ou assentamentos para reforma agrária, por exemplo. Elas são os principais alvos dos grileiros.
Em 2019, o governo Bolsonaro lançou uma medida provisória que alterava dois pontos da regularização dessas terras.
Ela ampliava casos onde seria aceita a autodeclaração de posse, cuja comprovação não seria mais feita por visitação, mas à distância, com uso de monitoramento via satélite, e fiscalização somente em casos de denúncia.
E também aumentava o prazo para regularizar ocupações, especialmente na Amazônia Legal.
Para governo e ruralistas, as mudanças trariam mais agilidade no processo de regularização de pequenos agricultores e garantiriam a preservação do meio ambiente ao dar responsabilidades previstas na lei aos ocupantes de terras públicas.
Ambientalistas, agricultores familiares e pesquisadores, no entanto, a apelidaram de “MP da Grilagem” porque, segundo eles, facilitaria a regularização de áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia. Para eles, o governo deveria investir na fiscalização do cumprimento da lei atual.
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A medida provisória acabou perdeu a validade depois de 4 meses porque não foi analisada pelo Congresso dentro desse prazo. Mas deu origem a dois projetos de lei, que continuam tramitando.
Um deles, o o PL 2.633/2020, é de autoria do deputado federal Zé Silva (SD-MG), que foi o relator da MP. O outro é o PL 510/2021, do senador Irajá Abreu (PSD-TO), filho da também senadora Kátia Abreu (PSD-TO), que foi ministra da Agricultura no governo Dilma Rousseff.
Não há previsão de quando eles serão votados. Neste mês, 40 parlamentares alemães enviaram aos presidentes do Congresso uma carta pedindo a rejeição a três projetos de lei que, segundo o grupo, elevariam o desmatamento e a violência contra povos indígenas no Brasil.
A proposta sobre regularização fundiária é uma das três, ao lado de um projeto que regulamentaria a mineração em terras indígenas e de uma proposta para alterar regras de licenciamento ambiental.
Emissão de carbono
Na reunião com os líderes mundiais, Bolsonaro prometeu que, até 2030, o Brasil reduzirá as emissões de carbono “até quase a metade”.
A pecuária também é associada à emissão carbono, uma das causas do aquecimento global, tema central da cúpula desta quinta. Isso porque o “arroto” dos bovinos é rico em metano. O desmatamento também contribui com a liberação de gases do efeito estufa.
Tanto é que o município de São Félix do Xingu (PA), onde fica o maior rebanho bovino do Brasil e que tem a segunda maior taxa de desmatamento na Amazônia, também é a cidade com a maior taxa de emissão de carbono, segundo dados do Observatório do Clima lançados no mês passado. Ela fica à frente de São Paulo, onde está a maior frota de veículos do país.
Não apenas os animais contribuem para a agropecuária ter o sinal vermelho para o aquecimento global. Há outros motivos, como as plantações alagadas, que liberam óxido nitroso dos fertilizantes nitrogenados.
Dois dias antes do evento sobre o clima, o governo federal lançou a atualização do Plano ABC para a década de 2020 a 2030. Ele apresenta bases conceituais e os objetivos estratégicos para a promoção da agropecuária de baixa emissão de carbono no Brasil nos próximos anos.
Mas o lançamento trouxe poucos detalhes e as metas não foram divulgadas. Segundo o Ministério da Agricultura, mais detalhes devem ser lançados até julho, quando haverá uma consulta pública.
No ano passado, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) lançou um selo de carbono neutro para carnes, concedido a uma linha de um grande frigorífico. A certificação é destinada a produtos que vêm de bois criados em sistemas com a plantação obrigatória de árvores. Essas árvores neutralizam o metano exalado pelos animais, neutralizando a emissão.
Na cúpula, Bolsonaro falou em buscar “neutralidade climática” até 2050, antecipando em dez anos a meta anterior. A medida consiste em o país não emitir mais gases na atmosfera do que é capaz de absorver.
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