Conheça a história de um assentamento rural em Sobradinho, no Distrito Federal, onde os produtores conseguiram mudar de vida cultivando alimentos sem agrotóxicos e, ao mesmo tempo, recuperando áreas degradadas. Pequenos agricultores do DF aliam produção de orgânicos com preservação do Cerrado
Um grupo de pequenos produtores rurais do Distrito Federal conseguiu mudar de vida aliando a produção de alimentos orgânicos com o compromisso de recuperar uma área degradada de 42 mil hectares de cerrado nativo, em Sobradinho.
É nesse “pedacinho” de terra onde fica o assentamento rural “A grande conquista”, ao lado do Parque Nacional de Brasília. Por lá, os agricultores plantam uma grande variedade de alimentos.
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A produtora rural Ivone Ribeiro Machado, por exemplo, trocou a vida de caminhoneira pelo campo e, na sua lavoura, ela cultiva cenoura, beterraba, alface, maçã, limão, banana e muito mais. “A última vez que fizeram uma pesquisa aqui, eu tinha 60 diversidades”, conta.
E tudo é sem agrotóxicos. “Não vai nada de veneno, são só produtos naturais”, diz Anaildo Porfírio da Silva, presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar da Chapadinha (Astraf).
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Caminho de batalha
Porém, para chegar até essa grande conquista – como sugere o nome do assentamento – o caminho não foi fácil.
Tudo começou em 2005, quando 400 famílias parte da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do DF (Fetraf) entraram em uma área já invadida por grileiros, que pertencia ao governo federal. O grupo se instalou no local e fundou um assentamento.
Das 400 famílias, a maioria teve que sair, pois estudos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) mostraram que, para não causar impacto ambiental, a área só comportava um número pequeno de famílias.
Apenas 46 delas ganharam, cada uma, um pedaço de terra entre 8 e 10 hectares e o restante das pessoas foi levado para outros assentamentos.
“No início tudo foi difícil, não tinha água, não tinha energia. E tudo com dificuldade a gente foi construindo, buscando parceria para poder estar do jeito que está hoje”, conta Anaildo.
“Quando eu vim parar aqui, era soja e braquiária. Não tinha mais nada. Não tinha uma árvore, não tinha um pássaro, não tinha nada”, lembra Ivone.
Compromisso de preservar
As condições para que o grupo ficasse na área eram produzir de forma sustentável, sem desmatar, sem agredir a natureza e sem usar agrotóxicos. O território estava, até aquele momento, bem degradado e, atualmente, se recupera aos poucos.
Nos 42 mil hectares da área onde fica o assentamento, há uma grande diversidade de fauna e flora, como lobo-guará, onça parda e o tamanduá-bandeira, que corre o risco de extinção.
Com apoio técnico, os assentados começaram a transformar parte das terras degradadas em uma área agroecológica. A ideia é aliar produção e preservação.
“É você cultivar diversamente, várias plantas, de várias estaturas, de vários tempos, ao longo do tempo, ciclos mais curtos, ciclos mais longos. Com isso, você consegue ter um aproveitamento melhorado da água, dos insumos. Essa diversidade que traz esse equilíbrio para a produção e para o meio ambiente”, diz a agrônoma e técnica da Emater, Roseli de Oliveira.
Hoje, mais de 80% dos assentados têm uma produção totalmente orgânica, com certificação. O restante ainda está se adaptando às exigências.
Geração de renda
Os primeiros produtos que saíram do assentamento eram vendidos nas feiras do Distrito Federal, o que garantia alguns trocados no bolso.
“Eu fiquei tão feliz, não pela quantidade do dinheiro, mas, assim, por eu saber que isso daqui ia dar alguma renda”, conta a agricultura Ivone.
Mas os produtores precisavam de uma renda fixa para investir na horta e, para isso, criaram, em 2012, uma associação para integrar os projetos do governo federal de fortalecimento da agricultura familiar e de entrega de alimentos para as escolas.
“Praticamente de tudo que a gente tinha na horta, a gente conseguia entregar”, diz Ivone.
Vendas durante a pandemia
Porém, com a chegada da pandemia, o governo dispensou a compra da maior parte dos produtos da agricultura familiar. E o prejuízo só não chegou ao assentamento porque eles decidiram vender cestas com alimentos orgânicos.
“Começamos a entregar delivery. Inicialmente, a gente começou entregando cento e alguma coisa, mais de cem cestas. Mas, de mensagem de pessoas querendo cestas deu, se eu não me engano, umas 17 mil”, conta Ivone, que chegou a faturar R$ 6 mil reais por semana.
Com o tempo, as vendas diminuíram, mas a Dona Ivone conseguiu uma clientela fixa. Ela tira, por mês, R$ 5 mil com a lavoura, mas, no geral, os agricultores têm renda média de 1 a 2 salários mínimos.
Apesar das dificuldades durante a pandemia, os agricultores têm conseguido se manter com a venda dos orgânicos.
Arborização
Outra missão dos assentados é plantar árvores. “A gente percebeu que precisava arborizar mais, porque o projeto do assentamento é para isso, é para estar reflorestando essa área que está dentro do parque”, diz a diretora do grupo de mulheres da associação, Márcia Lopes de Alencar.
A maioria das famílias que moram no assentamento é chefiada por mulheres. São elas que comandam a casa, a lavoura e os animais.
As árvores plantadas ainda vão demorar para crescer e serão uma herança para os filhos e os netos dos assentados.
E a Dona Ivone já encontrou o seu sucessor: o seu neto de 20 anos, o Jhonnys de Assis, deixou a cidade para viver com a avó no assentamento. Em pouco tempo, ele trouxe ideias novas para a propriedade, como a criação de abelhas.
“A gente trouxe essa cultura de trabalhar com abelhas nativas para preservar, porque elas estão acabando e para ajudar na polinização. E elas ajudam na polinização e também produz um pouco de mel”, diz Jhonnys, que estuda Ciências Ambientais.
“A gente tem o nosso sonho de crescer esse local, de fazer um centro ecológico de referência de produção orgânica, onde tenha cursos de bioconstrução, curso de abelha, curso de agrofloresta, um polo ecológico no distrito federal”, acrescenta.
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