Congresso cortou gastos obrigatórios para elevar emendas parlamentares. Segundo economistas, governo terá de bloquear recursos, e serviços públicos podem ser afetados. O orçamento de 2021, aprovado nesta semana pelo Congresso Nacional, não traz parâmetros realistas, segundo analistas ouvidos pelo G1, e, por isso, avaliam, levará a área econômica do governo a realizar forte bloqueio de despesas para cumprir as regras fiscais.
Segundo economistas, o Legislativo efetuou algumas manobras contábeis, quase todas sem concordância da área econômica do governo, para aumentar as emendas parlamentares — instrumento que os congressistas dispõem para destinar mais recursos aos seus projetos nos estados e municípios.
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Com as alterações, o Congresso cortou R$ 26,45 bilhões em gastos para inflar as emendas parlamentares previstas para este ano, para cerca de R$ 46 bilhões — 2022 é ano eleitoral para deputados, senadores e presidente da República.
“Achei que foi um verdadeiro ataque ao orçamento pelos parlamentares. Aconteceu de tudo. Teve contabilidade criativa, pedalada fiscal, transferência de despesas para a iniciativa privada. Do ponto de vista orçamentário, foi uma noite para ser esquecida”, avaliou o economista Gil Castello Branco, do portal Contas Abertas, sobre as negociações finais em torno da peça orçamentária.
Segundo ele, as manobras implementadas pelo Legislativo para “driblar” o teto de gastos — mecanismo pelo qual a maior parte das despesas orçamentárias não pode subir acima da inflação do ano anterior — tornaram o orçamento “maquiado”.
“O Congresso está tentando preservar o teto [de gastos] de uma forma artificial”, acrescentou.
Segundo o economista Arnaldo Lima, diretor de Estratégias Públicas do Grupo Mongeral Aegon, a “falta de aderência” do orçamento e dos parâmetros macroeconômicos a um cenário mais realista gera “aumento de incerteza no mercado, o que impacta negativamente a recuperação da atividade econômica de forma sustentada”.
“Não diria que o orçamento virou uma peça de ficção, mas deveria estar mais adequado às diretrizes ASG [ambiental, social e governança], especialmente no quesito de transparência e governança, até porque o orçamento é a política de investimento do principal investidor institucional, o setor público”, disse.
Ele observou que, desde o ano passado, as emendas de relatores estão “ganhando valores substanciais”.
Por meio da assessoria, o G1 entrou em contato com o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator do orçamento de 2021, e perguntou sobre as críticas dos economistas às alterações promovidas na peça orçamentária. Mas não obteve resposta.
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Bloqueio de gastos
Antes mesmo da aprovação do orçamento deste ano pelo Congresso Nacional, o Ministério da Economia já havia apontado a necessidade de efetuar um bloqueio de R$ 17,5 bilhões em gastos discricionários (não obrigatórios) para impedir que as despesas superassem o teto de gastos.
Entretanto, segundo analistas, a equipe econômica terá de aumentar o bloqueio orçamentário por conta das alterações no orçamento promovidas pelo Legislativo. Como as despesas previdenciárias são gastos obrigatórios, ou seja, não há a alternativa de não pagá-los, o governo terá de cortar em outras áreas.
“O orçamento vai ser administrado na boca do caixa, e o ônus vai ficar para o Executivo, que não vai ter outra solução a não ser fazer um contigenciamento [bloqueio] drástico para continuar caminhando dentro da responsabilidade fiscal, da meta de déficit primário e do cumprimento do teto”, disse Gil Castello Branco, do Contas Abertas.
Ele estimou que o bloqueio pode ultrapassar a marca dos R$ 30 bilhões neste ano. Pela regra, pode atingir até mesmo as emendas parlamentares, na mesma proporção do corte total. Se não implementar o corte de gastos, explicou ele, o governo pode responder por crime contra a responsabilidade fiscal.
Arnaldo Lima, do grupo Mongeral Aegon, afirmou que o governo terá de enviar ao Congresso um projeto de lei recompondo o orçamento das despesas obrigatórias por meio de créditos suplementares em cerca de R$ 30 bilhões, especialmente para previdência, seguro-desemprego e subsídios.
“É possível que o governo tenha que iniciar conversas com o TCU [Tribunal de Contas da União] para abrir créditos extraordinários para pagar todas essas despesas obrigatórias até o final do ano, pois elas dificilmente caberão no orçamento sem uma redução brutal das despesas discricionárias [não obrigatórias], que inibirá o devido funcionamento da administração pública”, declarou.
Com um bloqueio maior nos gastos em 2021, o orçamento dos ministérios, englobando despesas em saúde, educação, investimentos federais e gastos de custeio, como contas de água e luz, que já estava restrito, deve ser mais impactado ainda.
No fim do ano passado, o governo admitiu que, sem reformas estruturais, o teto de gastos tende a “precarizar gradualmente a oferta de bens e serviços públicos e a pressionar, ou, até mesmo, eliminar investimentos importantes”.
O que o Congresso fez
Confira abaixo algumas manobras contábeis adotadas.
O Congresso Nacional reduziu em R$ 13,5 bilhões a previsão para os gastos previdenciários em 2021, que são obrigatórios, ou seja, não existe a opção de não serem pagos.
O Legislativo cortou R$ 7,4 bilhões em gastos previstos para o abono salarial neste ano. A medida foi considerada como um tipo de pedalada, ou seja, transferir para o ano seguinte a realização das despesas, mesmo que tenha ocorrido após aprovação do Codefat (com participação do governo).
Os parlamentares diminuíram em R$ 2,6 bilhões a estimativa para gastos com seguro-desemprego em 2021, que também são gastos obrigatórios. Economistas não viram lógica nessa queda de recursos, diante da eventual pressão por mais despesas decorrente da pandemia do coronavírus.
Os parlamentares reduziram também em R$ 1,35 bilhão a previsão de pagamento de subsídios agrícolas, que são utilizados como contrapartidas do Tesouro Nacional ao crédito agropecuário. A medida pode gerar dificuldades de financiamento ao setor.
O Congresso quer alterar o formato de pagamento do auxílio-doença, outra despesa obrigatória, mas a implementação da medida ainda tem de ser aprovada legalmente. A proposta é que as empresas paguem, com recursos próprios, esses valores e depois sejam reembolsadas com abatimento em tributos devidos, o que reduziria em R$ 4 bilhões a projeção de gastos neste ano (abrindo igual espaço no teto).
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