Meio Ambiente

Nova meta do Brasil no Acordo de Paris permite desmate 78% maior em 2025 do que no período anterior a Bolsonaro, aponta estudo

Nova meta do Brasil no Acordo de Paris permite desmate 78% maior em 2025 do que no período anterior a Bolsonaro, aponta estudo thumbnail

Levantamento da UFMG calculou quantos km² de desmatamento da Amazônia “cabem” na meta de emissões de gases de efeito estufa elaborada por Salles e descobriram que país pode desmatar 13,4 mil km² por ano sem descumprir a meta. Queimada em área desmatada em Novo Progresso, no Pará, em agosto de 2020
CARL DE SOUZA / AFP
A nova meta climática apresentada pelo Brasil ao Acordo de Paris em dezembro do ano passado permite ao país desmatar 13,4 mil km² ao ano da Amazônia até 2025 e, ainda assim, ficar dentro do compromisso. A conclusão é de um estudo divulgado nesta quinta-feira (15) por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ex-superintendente da PF no Amazonas diz que ministro Ricardo Salles ‘defende infratores ambientais’
Considerando que a nova meta climática proposta pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, permitirá o Brasil chegar em 2025 emitindo 1,7 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, os cientistas calcularam quantos km² de destruição “cabem” neste limite, uma vez que o desmatamento florestal está diretamente ligado às emissões.
A marca de mais de 13 mil km² de desmatamento anual estimada pelos pesquisadores é 20% maior que o recorde registrado em 2020, quando a Amazônia teve uma área de 11.088 km² desmatada, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Um dos responsáveis pelo estudo, o coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da UFMG, Raoni Rajão, vai além e faz uma comparação ainda mais dramática.
“Os 13.4 mil km² que o estudo projeta para 2025 é 78% maior que os 7.4 mil km² que tínhamos em 2018, antes do início do governo Bolsonaro”, explica Rajão.
A meta climática do Ministério do Meio Ambiente também vai contra o plano de redução de desmatamento oficializado pelo próprio governo federal: segundo uma resolução assinada na quarta-feira (14) pelo vice-presidente do Brasil e presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, Hamilton Mourão, o país se compromete a reduzir o desmatamento para 8.700 km² até o fim de 2022.
“As metas voluntárias para o acordo de Paris deveriam ser a mais alta ambição de cada país. Infelizmente o Brasil aponta na direção oposta ao permitir uma emissão absoluta maior, o que representa na prática a piora da situação atual do desmatamento na Amazônia”, diz Rajão.
Atualmente, a emissão líquida do Brasil é de cerca de 1,6 bilhão de toneladas de gases – o país é o sexto maior emissor de gases do planeta.
A ‘pedalada’ no Acordo de Paris
Em dezembro de 2020, o Acordo de Paris completou cinco anos e todos os países signatários tiveram que apresentar novas versões dos compromissos assumidos em 2015. Ao invés de apresentar metas mais ambiciosas, o Ministério do Meio Ambiente apresentou duas novas metas – a de emissões até 2025 e uma segunda para emissões até 2030 que, na prática, permitirão ao país emitir, até 2030, 400 milhões de toneladas a mais de gases do efeito estufa do que o previsto na meta original.
“Essa quantidade adicional [400 milhões de toneladas] de gases de efeito estufa é maior do que o total de emissões da Espanha em 2018”, alertam os pesquisadores da UFMG.
Entenda como é o Acordo de Paris
Na época da apresentação da nova meta, o Observatório do Clima apontou que houve pedalada de Salles: ele manteve o mesmo percentual de redução definido em 2015, de reduzir em 43% as emissões até 2030 e de chegar em 2025 com redução de 37%, ambas em relação aos níveis de emissões de 2005. Entretanto, não atualizou a base de cálculo utilizada para calcular as emissões.
Com isso, se em 2015 a meta de redução de 43% significava emitir 1,2 bilhões de toneladas de gases até 2030, a nova meta, com a mesma taxa de redução, permite o Brasil emitir 1,6 bilhões de toneladas no mesmo período. Já a meta intermediária para 2025 passa as emissões de 1,3 bilhões de toneladas para 1,7 bilhões de toneladas.
Em dezembro, os especialistas do OC afirmaram que, para apenas manter a meta climática já assumida anteriormente pelo Brasil no Acordo de Paris, o ministro do Meio Ambiente deveria ter se comprometido a diminuir 57% das emissões até 2030, e não apenas 43%.
Agora, os pesquisadores da UFMG endossam o relatório do OC e fazem uma nova sugestão: aumentar a redução de emissões para 44% em 2025 e 50% em 2030. “Desta forma, pelo menos, serão mantidos os níveis de emissão absolutos prometidos em sua primeira meta climática”, afirmam o estudo.
Um documento técnico do Observatório do Clima de dezembro concluiu que o Brasil deveria se comprometer a reduzir as emissões em 81% até 2030 em relação aos níveis de 2005.
Jovens processam governo
Na terça-feira (13), um grupo de seis jovens entrou com uma ação popular na Justiça de São Paulo contra Salles e o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo por causa da ‘pedalada’ climática do governo com a nova meta ao Acordo de Paris.
Entenda os impactos do aquecimento global se a temperatura subir até 1,5°C ou mais de 2°C
O objetivo da ação popular, segundo o advogado do Observatório do Clima, Paulo Busse, que representa os jovens, é anular a nova meta climática, considerada danosa ao meio ambiente, além de pressionar o governo por um novo acordo de redução de gases do efeito estufa.
“A ação não é para impor uma sanção ao Estado. O objetivo é fazer o Brasil corrigir a meta climática atual, menor que a original, e assumir um compromisso mais ambicioso, que esteja em conformidade com o Acordo de Paris e a Constituição Federal”, explica Busse. Ele lembra que a Constituição impõe que o poder público e a sociedade civil adotem medidas de proteção do meio ambiente.
Esta é a primeira ação popular movida por jovens contra decisões do Brasil na área ambiental.
Oito ex-ministros do Meio Ambiente apoiam a ação popular: Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Rubens Ricupero, Sarney Filho.
Em nota, eles afirmam que a ‘pedalada’ climática “trará sérias consequências para o Brasil, como dificultar a entrada do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a ratificação do Tratado de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia. Além disso, nosso país abriu precedente para que outros apresentem metas menos ambiciosas, prejudicando a todos.”
Os seis jovens que entraram com a ação popular são ativistas ambientais de duas organizações criadas e lideras por jovens: o Engajamundo e o Fridays for Future, este último criado pela famosa ativista adolescente Greta Thunberg.