Indígenas comemoram conquista do direito de usarem seus nomes originários
Indígenas de diferentes regiões do Brasil estão celebrando o direito de registrar oficialmente seus nomes ancestrais, um marco de resgate da identidade, do pertencimento e da memória de seus povos. A conquista tornou-se possível após mudanças na legislação no ano passado.
“E sempre fui Nankupé. Carregar o nome dos meus povos no documento é carregar comigo minha ancestralidade, minha espiritualidade e meu povo inteiro”, resume Nankupé Tupinambá Fulkaxó Moreira de Souza, 58 anos, vice-cacique da aldeia Tekoá Tupinambá, no interior da Bahia. Após mais de uma década de luta, ele finalmente conseguiu incluir em seus documentos os nomes que expressam sua verdadeira origem.
Para Nankupé, a mudança no registro civil foi mais do que um ato jurídico: representou um rito de passagem. “Eu deixei de ser alguém para passar a ser um novo alguém”, descreve. A entrega do documento foi marcada por uma cerimônia coletiva com cantos e rituais. “Chorei porque senti que não era só um papel. Era o meu povo todo sendo reconhecido junto comigo”, relembra, emocionado.
A luta começou em 2014, enfrentando barreiras legais, negativas sucessivas em cartórios e a perda de um advogado no processo. “Muitas vezes disseram que eu teria que ficar apenas com um nome adaptado. Eu recusei. Não aceitaria ser metade de mim”, conta.
Hoje doutorando em comunicação na Universidade de Brasília (UnB), Nankupé vê a conquista como reparação histórica: “A comunicação sempre foi usada para nos diminuir. Agora é nossa vez de falar de nós mesmos, com nossas palavras e nossos nomes.”
Resgate de identidade e memória
Eloi Pimentel Wapichana, 26, também teve sua vida transformada ao incluir o sobrenome do povo a que pertence. Antes identificado como “Batista da Silva”, ele sentia a ausência do nome indígena como um apagamento cultural. “Colocar Wapichana, etnia do meu pai, no documento é resgatar o que tentaram apagar”, diz.
Morador do Paranoá Parque (DF), Eloi é técnico em administração, artista, MC de batalha de rima, artesão e produtor cultural. Para ele, a mudança reafirma a presença indígena em todos os espaços: “Estamos nas escolas, nas faculdades, nos trabalhos, nos projetos culturais — e ainda assim seguimos com laço forte com nossa cultura e nossos ancestrais.”
A conquista, contudo, não foi simples. No cartório, Eloi ouviu que a alteração não era possível e, depois, que teria de pagar para realizá-la. Só com o apoio da Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) concluiu o processo. Seu irmão, Uiran, também incluiu o sobrenome Wapichana. “Carregar o sobrenome Wapichana em nossos documentos é honrar a memória de nosso pai e reafirmar quem realmente somos”, afirma.
Avanço legal e impacto coletivo
Segundo Tiago Kalkmann, defensor do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (NDH/DPDF), a possibilidade de retificação já era reconhecida desde 2012, mas antes só podia ser feita por meio judicial. “Em dezembro de 2024, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público editaram uma resolução conjunta que passou a permitir essa retificação diretamente nos cartórios, sem ação judicial e com menos burocracia”, explica.
Kalkmann ressalta que os procedimentos ainda podem ter custos, especialmente quando o pedido é feito fora da localidade de registro. Nesses casos, a via judicial continua sendo importante para garantir a gratuidade. Ele destaca ainda que a medida fortalece os vínculos culturais e a autodeclaração indígena, contribuindo para o resgate da ancestralidade e para a formulação de políticas públicas mais eficazes.





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