Meio Ambiente

Grupo de fotógrafos do Oeste Paulista faz raro registro de lontra com leucismo durante expedição pelo Pantanal; veja VÍDEO

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Avistamento foi às margens do Rio Aquidauana, em Mato Grosso do Sul. Condição genética altera a coloração normal do animal silvestre. Fotógrafos do Oeste Paulista e guia de MS fazem registro raro de lontra com leucismo no Pantanal
“A natureza é isso, é uma caixinha de surpresas. No mesmo lugar, todo dia é um dia diferente e a gente vai só aprendendo”. A afirmação é do guia turístico Luiz Fabiano Aragão Vargas, de Aquidauana (MS), no Pantanal Sul. Foi ele quem conduziu por rio um grupo de fotógrafos do Oeste Paulista para um momento inesquecível e emocionante: um raro registro de uma lontra-neotropical com leucismo.
Entre os dias 10 e 14 de setembro, foi promovido pelo fotógrafo de natureza e documentarista Adriano Kirihara, de Presidente Prudente (SP), um workshop de fotografia, no formato de expedição fotográfica, em Aquidauana. Com ele, foram os fotógrafos/alunos Flávia Pelloso, Claudete Longo e José Roberto Pireni, que são de Presidente Prudente, Martinópolis (SP) e Teodoro Sampaio (SP), cidades que ficam na região oeste do Estado de São Paulo.
Registro raro de lontra com leucismo é realizado por grupo de fotógrafos do Oeste Paulista no Pantanal sul-mato-grossense
Adriano Kirihara/Cedida
Na manhã do segundo dia de expedição, havia no roteiro um passeio pelo Rio Aquidauana, conforme contou Kirihara ao G1. Ele afirmou que o grupo sempre vai preparado para várias situações, pois sabe que vai encontrar alguns animais.
A programação era descer o rio, mas o tempo fechado e uma breve garoa os fizeram mudar os planos. O guia, então, falou que achava melhor subir o rio, pois, se começasse um temporal, seria mais fácil a volta. Além disso, o instrutor também comentou com o grupo que havia uma “lontra albina” na região e que tinha vontade de avistá-la.
“Embora todo mundo a chame de albina, é leucística”, destacou Kirihara, ao lembrar que, para ser 100% albina, os olhos também têm de ter outra coloração.
Registro raro de lontra com leucismo é realizado por grupo de fotógrafos do Oeste Paulista no Pantanal sul-mato-grossense
Adriano Kirihara/Cedida
Emoção
“Nós começamos a subir e, de repente, vimos algo mexer na água e falamos: é a lontra albina! Aí foi uma festa”, relatou ao G1 Adriano Kirihara.
O fotógrafo acrescentou que, no momento do flagrante, os expedicionários pararam o barco no meio do rio e o grupo começou a observá-la. Mesmo com movimentos rápidos do animal, foram feitos registros do bicho caçando.
Registro raro de lontra com leucismo é realizado por grupo de fotógrafos do Oeste Paulista no Pantanal sul-mato-grossense
Adriano Kirihara/Cedida
“Ela mergulhava e saía em pontos diferentes do rio, então, a gente começou a observar esse comportamento dela. Acho que até por ela ser diferente, dessa cor não característica, ela sabe disso e sabe que ela é uma presa fácil, então, ela se comporta diferente das outras lontras, isso foi uma coisa que a gente acabou percebendo lá na hora”, contou ao G1.
Então, começaram os registros. “Ela começou a caçar e vinha com os peixes. Ela é pequena. A lontra é menor, diferente da ariranha, e além de tudo ela é muito rápida, nada muito rapidamente. Ela sobe e mergulha de novo, então, são aqueles poucos momentos em que a gente consegue fazer a foto”, explicou.
“Foi uma emoção muito grande. Logicamente que encontrar qualquer animal silvestre na natureza já é uma emoção muito grande para quem gosta desse tipo de fotografia, para quem gosta da natureza”, salientou Kirihara.
O fotógrafo e documentarista ainda contou que, durante a expedição, o grupo encontrou tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), tamanduá-bandeira com filhote, lobinho (Cerdocyon thous), gaviões, vários pássaros raros, como o pica-pau-de-testa-branca (Melanerpes cactorum) e a tiriba-fogo (Pyrrhura devillei), além de flagrar um grupo de capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) brincando na água.
“Mas na hora em que vimos a lontra, que já é um animal silvestre e além de tudo leucístico, a emoção dentro do barco foi contagiante e o guia também ficou muito emocionado com o momento”, destacou.
Kirihara já foi outras vezes para a região de Aquidauana, inclusive neste ano, e não tinha avistado o raro animal.
“Foi gratificante para mim, enquanto fotógrafo de natureza, documentarista, emocionante de estar ali com o grupo, que pôde avistar algo raro na natureza, e muito emocionante como um portfólio pro meu trabalho de estar naquele momento, presenciar isso e fotografar”, admitiu o documentarista.
“Com certeza, é um daqueles momentos e uma daquelas fotos que levarei pra vida diante de todo o trabalho que tenho. Aquela foto que sempre que vai ser especial pelo momento, pela complexidade de fotografar no rio em movimento, em cima de um barco, pela complexidade de não ter uma luz perfeita. Foram muitas coisas, mas a gente conseguiu fazer o registro”, enfatizou ao G1.
Registro raro de lontra com leucismo é realizado por grupo de fotógrafos do Oeste Paulista no Pantanal sul-mato-grossense
Adriano Kirihara/Cedida
Privilégio
Luiz Fabiano Aragão Vargas é um guia nativo da região. Nasceu em Aquidauana e trabalha em uma pousada há quase 26 anos, dos quais há três tenta avistar a “lontrinha diferente”, já que em 2019 ela foi registrada, também às margens do rio que leva o nome da cidade.
“A natureza é um livro com que você todo dia aprende alguma coisa. Então, isso só agrega conhecimento. E, quando você tem amor no que faz, você coleta muitas informações e a lontra que a gente viu é uma coisa que vai ficar marcada na vida da gente. Fiquei muito feliz”, ressaltou Vargas ao G1.
O guia contou que sempre navega pelo rio no intuito de avistar a lontra branca. “Doido para ver o animal”, no último dia 11 de setembro ele contou o desejo e sugeriu aos fotógrafos a subida do rio.
“Foi um momento mágico. No que eu fechei a boca, a gente andou mais umas três curvas e a lontra lá se alimentando. Pra mim mesmo, um bicho difícil, é um momento raro de você ver”, lembrou.
Para ele, também foi uma coisa nova. “Coisas assim que só a natureza proporciona pra gente esses momentos. Pra mim, foi uma satisfação muito grande, foi emocionante. Eu trabalho desde moleque aqui, sempre com turismo, e a gente acaba criando muito amor nas coisas. Quando tem um avistamento de um animal raro assim, é emocionante mesmo”, enfatizou ao G1.
Ele contou que o grupo ficou observando o animal por cerca de duas horas. “Pra gente, como guia, é importante também; esse momento fica marcado na vida da gente”, pontuou.
“É um bicho que parece saber que é diferente. O normal da lontrinha é ir subindo. Não liga muito pra gente, pois ninguém agride, o bicho vai pegando confiança. E ela [branca] a gente não chegava tão perto, eu dava um intervalo pra ela, descia ou subia um pouco de barco, mas sempre deixando ela, sem deixar ela estressada ou desconfiada, sempre dando uma folga pra ela”, comentou.
Registro raro de lontra com leucismo é realizado por grupo de fotógrafos do Oeste Paulista no Pantanal sul-mato-grossense
Adriano Kirihara/Cedida
“Dando um espaço pro animal, você consegue fazer um trabalho legal e ter paciência com o animal. Isso vai muito da gente, que é guia local, porque o pessoal está confiando em você e tem de procurar fazer o melhor possível pro pessoal que está com você e pro animal, não agredir o animal”, acrescentou.
Outra novidade que em mais de 20 anos Vargas teve recentemente foi observar o comportamento de uma fêmea da espécie tamanduá-bandeira, que carregava um filhote.
“A natureza não cansa de surpreender a gente, de trazer coisas maravilhosas, como essa lontra. No geral, o trabalho que a gente faz, a gente trabalha com pessoas e tem pessoas que sonham em vir pro Pantanal, então, a gente tem que se dedicar o máximo, fazer com amor e carinho pra não ser constrangedora aquela vinda da pessoa ao Pantanal. E é tão gratificante quando você olha a pessoa e o olho chega a brilhar porque foi bom. Isso não tem preço, é muito gratificante”, salientou.
Para Vargas, sua função é um privilégio.
“Trabalhar com a natureza, ainda mais quando a gente tem amor no que faz, é tão prazeroso. Agradeço a Deus todo dia, porque poucas pessoas hoje têm oportunidade de fazer o que amam e, graças a Deus, eu sou uma dessas pessoas; privilegiado de viver num lugar desse”, salientou.
Leucismo e albinismo
O biólogo Rondinelle Artur Simões Salomão, professor doutor na Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), em Presidente Prudente, explicou ao G1 que “tanto o albinismo como o leucismo são considerados eventos raros na vida selvagem, por consequência da força da seleção natural, uma vez que indivíduos portadores desses genes ficam mais aparentes aos predadores, perdendo o mecanismo de camuflagem, sendo eliminados juntamente com sua carga genética recessiva”.
Entenda as diferenças:
O albinismo é uma síndrome que tem como característica a ausência ou perda total de pigmentação na pele, no cabelo e nos olhos. “No albinismo, o indivíduo deixa de produzir a melanina, proteína essencial na pigmentação e na proteção contra a radiação solar”, explicou.
Já no leucismo ocorre uma falha na síntese de melanina e, “como consequência, isso pode resultar na perda parcial da cor natural em certas regiões do corpo, mas raramente afeta as partes sem pelos, como o nariz, os pés e a pele exposta, e nunca afeta os olhos”.
Conhecida como lontra, lontra-neotropical, lobinho-de-rio ou lontrinha, a espécie sofre riscos.
O biólogo explicou que no Pantanal, local do registro do animal, “não existem dados suficientes e a escassez de estudos limita o conhecimento sobre seu real status de conservação”.
“No entanto, a última avaliação da IUCN [União Internacional para a Conservação da Natureza] considerou uma tendência de diminuição para as populações de lontras devido principalmente à degradação de habitat, sendo então categorizada como quase ameaçada no Brasil”, citou.
Salomão ainda acrescentou que a Lontra longicaudis “tem ampla distribuição no Brasil, de hábitos solitários, embora possam ser observados pequenos grupos compostos de fêmeas e filhotes”.
“São carnívoros semiaquáticos com adaptações morfológicas e fisiológicas que permitem a eficiente ocupação dos ambientes aquáticos, como rios, riachos, lagoas e em áreas costeiras com disponibilidade de água doce. Apesar de apresentar forte dependência de corpos d’água, algumas atividades da espécie são realizadas no ambiente terrestre, como, por exemplo, sinalização odorífera, reprodução, descanso e cuidado parental”, explicou ao G1 o biólogo.
“A Lontra longicaudis apresenta um comportamento esquivo, podendo utilizar como refúgio praticamente qualquer cavidade disponível na margem do rio, assim como escavar buracos rasos ou abrir espaços em meio à vegetação, dificultando assim a observação do animal na natureza”, finalizou.
Lontra
A lontra (Lontra longicaudis) é distribuída pelo México, pela América Central, pelo oeste da América do Sul para o Peru e o sul da América do Sul para o Uruguai.
Costuma habitar pequenos canais e banhados, até rios, lagos, estuários e também na costa marítima. Aprecia rios de planície razoavelmente grandes, lagos ou uma costa rochosa abrigada que são os habitats ideais.
A espécie é carnívora, alimenta-se de peixes, pequenos mamíferos, ovos, crustáceos, anfíbios e répteis. São animais semiaquáticos. Os hábitos da lontra são predominantemente noturnos, mas podem ser observadas em atividades diurnas.
O comum da espécie é possuir coloração marrom, com pelos mais claros na região da garganta. O corpo é alongado, flexível, com pernas curtas, cabeça alongada e chata, orelhas pequenas e arredondadas. Seu comprimento varia de 1,00 a 1,30 metro; a cauda é forte e musculosa, mede mais de um terço de seu comprimento total; as patas têm membranas interdigitais. Seus dentes são muito fortes e afiados.
Estudos demonstraram que a lontra possui uma sensibilidade à poluição e à destruição de habitats aquáticos. Desta forma, a sobrevivência desta espécie está relacionada à conservação dos diversos ambientes aquáticos, sejam rios, lagos, banhados ou costa marítima.
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