Sem ministro definido e um plano para enfrentamento da pandemia, surgem dúvidas sobre o ritmo da retomada da economia e quando investir. O ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, e o presidente Jair Bolsonaro: médico não chegou a completar 30 dias no cargo
Evaristo Sa/AFP
A saída de Nelson Teich do Ministério da Saúde reacendeu o alerta entre empresários sobre o grau de confiança no Brasil para o combate à pandemia do novo coronavírus. Executivos dão mostras de desconforto com a falta de coordenação entre a pasta e a Presidência da República.
Na última sexta-feira, uma entrevista de Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil e América Latina, ao jornal Valor Econômico deixou evidente sua frustração: o atraso na retomada da economia por conta da ausência de ações coordenadas no combate à Covid-19 entre os governos federal, estadual e municipal. “É uma tristeza o que estamos vendo”, disse.
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Ele não está sozinho. Para o presidente da BGC Liquidez, Ermínio Lucci, a declaração de Schiemer “expressa um pouco a visão de todos os empresários de que falta de credibilidade ao Brasil”.
“Não é nem só o fato de dois ministros serem mandados embora em menos de um mês, é a falta de foco na gestão da saúde no Brasil, de se ter uma unidade [de estratégia], já que não há uma consonância entre o executivo federal e o executivo de estados e municípios para combater a pandemia”, destacou Lucci.
O empresário destacou que, enquanto alguns países já estão reabrindo a sua economia, no Brasil ainda é discutida a possibilidade de se decretar o chamado lockdown, com regras mais rígidas de isolamento social, apontando o atraso do Brasil no combate à doença.
“Isso, realmente, tira o incentivo de qualquer empresário de investir no país. Isso afeta a credibilidade do poder público. O que isso significa na prática é menos investimentos nos próximos trimestres”, disse Lucci.
Para ele, planejar o futuro é a maior vulnerabilidade do empresário brasileiro no momento.
“O fato de a gente ter que lidar com uma crise econômica e de saúde sem precedentes nos últimos 100 anos, somado a uma crise política, ao não entendimento entre os poderes de cada ente da federação, isso vai, por um bom tempo, abalar a confiança dos empresários”, reiterou o presidente da BGC.
Ermínio Lucci é o presidente da BGC Liquidez, uma das principais corretoras do país
BGC Liquidez/Divulgação
Paulo Castello Branco, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei), também vê prejuízos para os investimentos.
“Quando nós vemos um fato como esse (saídas de Mandetta e Teich) isso confirma que o que Brasil está vivendo é realmente um pesadelo. Investidores estão muito atentos com o que está acontecendo no Brasil e isso atrapalha a retomada da economia que já vinha em uma situação difícil”, afirma.
“Já havia uma cautela por parte dos investidores antes da pandemia e esse cenário político dificulta ainda mais. O investidor estrangeiro e interno também olha para o Brasil então vê nenhuma previsibilidade para poder investir. Essa pandemia política está prejudicando a retomada dos investimentos”, aponta.
“O ministro da Saúde neste momento teria que ter autonomia para conduzir a gestão do problema. E fazer isso em coordenação com estados e municípios”.
Impacto ruim para a imagem no exterior
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, a troca de comando do Ministério da Saúde nesse momento crítico da pandemia traz impactos para a imagem no Brasil no exterior.
“Essa falta de coordenação é muito ruim num momento tão delicado. Mas eu acredito que o Brasil também é visto no exterior como um país que tem bons nomes para exercer essa função (de ministro da saúde)”, afirma Barbato.
“É lamentável que tenha ocorrido a substituição, não fico nem um pouco contente com isso e a repercussão não é boa internacionalmente.”
Ele avalia, no entanto, que o Brasil vai seguir atrativo para o investimento internacional depois que a pandemia for superada. “Somos a oitava maior economia do mundo ainda. Eu não esqueço o potencial que o Brasil tem. O país é uma das grandes oportunidades para o mundo.”
Fugindo da incerteza
Uma pesquisa feita entre presidentes, CEOs, sócios e diretores de empresas pela Amcham-Brasil mostra que 47% dos associados acreditam que a coordenação entre todas as esferas do poder público, do setor empresarial e da sociedade é a ação mais importante para enfrentar o coronavírus.
É possível que os números sejam maiores, pois sondagem foi feita entre 8 e 19 de abril, período em que Luiz Henrique Mandetta balançava no cargo. Um mês depois, o ministro havia sido demitido e o sucessor, renunciado.
A falta de previsibilidade sobre o rumo do Brasil no enfrentamento da pandemia retrai a disposição de investimento dos empresários e afugenta investidores estrangeiros. Não à toa, as expectativas dos analistas de mercado para a economia já apontam queda de 5,12% do PIB e dólar na casa dos R$ 5,28 no final do ano.
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Ainda que os empresários esperem que o trabalho do Ministério da Saúde tenha um curso de continuidade, visto que funcionários de carreira continuam em atividade mesmo com as trocas de ministros, a mudança de processo decisório adia as grandes decisões. A troca de Mandetta por Teich, por exemplo, modificou as expectativas de quando o país poderá vencer a pandemia.
“O mercado espera uma queda de cerca de 5% do PIB no Brasil, está alinhado com o resto do mundo. Mas a falta de um plano claro deixa em dúvida o impacto da crise sanitária na nossa economia”, diz Welber Barral, sócio da consultoria Barral M Jorge e ex-secretário de Comércio Exterior.
“Imagine um fundo estrangeiro que está analisando investir em infraestrutura no Brasil. Como ele pode fazer os cálculos de retorno sem saber qual o plano do país para a pandemia?”
Sem novidades
Nem mesmo os setores mais essenciais durante a pandemia estão distantes do problema. O Hospital do Coração do Alagoas estava em franca expansão quando teve início a pandemia do novo coronavírus. O investimento foi mantido, mas a insegurança aumentou entre os gestores.
“Por conta do ramo, fica impossível parar esse investimento. O que mudou foi o grau de incerteza e de estresse por conta de não se ter uma clareza, um plano uniformizado em todo o país, para o enfrentamento da pandemia e para o período pós-pandemia”, afirmou o médico Ricardo César Cavalcanti, que é proprietário do hospital.
Com seu negócio diretamente afetado pela crise na saúde, Cavalcanti enfatizou a necessidade de o governo se espelhar na experiência de outros países que adotaram estratégia rígida para conter a disseminação da doença.
“Essa crise passa por uma solução médica para, depois, ter uma solução na área econômica. Inverter essa ordem é inútil. O tamanho do dano econômico diz respeito às medidas médicas que forem tomadas”, diz.
“O que a gente tem visto é a comprovação disso, de que países que ouviram a técnica, a posição médica, e adotaram medidas rigorosas, passaram menos tempo em isolamento social e menos tempo em retração econômica.”
Com esse peso nas costas, o Brasil, agora, procura um ministro. Segundo o blog da Andréia Sadi, o presidente Jair Bolsonaro deve manter o secretário-executivo da pasta, general Eduardo Pazuello, como interino até que seja assinada a mudança no protocolo de uso da cloroquina para, depois, dar posse ao próximo ministro.
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