Há pelo menos 90 espécies de morcegos na caatinga, das quais 6 são amplamente difusas. Eles controlam pragas, polinizam plantas e dispersam sementes. Em meio à ameaça de redução das áreas naturais, pesquisadores monitoram como a adaptação dos animais à transposição pode impactar esse bioma exclusivamente brasileiro. Morcego da espécie ‘Trachops cirrhosus’ sob um túnel de passagem nos canais da transposição do Rio São Francisco
Leandro Oliveira/Cemafauna
Os morcegos têm um papel essencial na caatinga: controlam pragas, polinizam plantas e dispersam sementes. O Brasil tem cerca de 15% de todas as espécies de morcego conhecidas no mundo e, na caatinga, bioma exclusivamente brasileiro, os morcegos são quase metade de todos os mamíferos do bioma, espalhados por 740 mil km² no Nordeste brasileiro.
Em meio aos impactos da transposição do Rio São Francisco, cujas obras começaram em 2007, pesquisadores encontram morcegos colonizando novas áreas. Eles já vivem até mesmo em túneis e bueiros construídos pelo ser humano, ao longo dos canais da transposição.
Numa lista de 2012, usada como referências pelos cientistas, havia 174 espécies de morcegos registradas no país. Na caatinga, há pelo menos 90 espécies, das quais 6 são amplamente difusas. O que mais os ameaça é a gradual redução das suas áreas naturais, por causa do desmatamento.
Num ambiente ameaçado pela ação humana, visto que a caatinga já perdeu pelo menos 30% de seu território natural, a adaptação dos morcegos à nova realidade da transposição das águas precisa ser acompanhada com cuidado por especialistas em seus aspectos positivos e negativos.
Os morcegos são um elo importante para a manutenção do ecossistema e, portanto, a colonização de novas áreas pode ser positiva para a recuperação de regiões degradadas. Por outro lado, morcegos que se alimentam de peixes ou insetos podem ser novos predadores em áreas onde, antes, não existiam.
O mestre em zoologia Leandro Oliveira, pesquisador do Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga (Cemafauna), ligado à Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), contou ao G1 sobre o trabalho de monitoramento dos morcegos que vem sendo feito desde 2008 nas áreas de influência da transposição.
Mapa da transposição do Rio São Francisco
Aparecido Gonçalves/G1
Estudo dos morcegos
Na região monitorada pelo Cemafauna ao longo dos canais da transposição do Rio São Francisco, há registros de 33 espécies de morcegos. Eles são tão difusos que representam mais de 50% de todas as espécies de mamíferos monitorados pelo projeto.
Para fazer o monitoramento desses animais voadores é preciso capturá-los usando as chamadas “redes de neblina”, que, colocadas em locais estratégicos, onde haja água, comida ou vegetação, capturam os animais durante o voo. Veja como funciona:
Captura de morcegos durante o voo
Rodrigo Sanchez/G1
As redes são instaladas pelos cientistas e ficam abertas durante cinco horas seguidas após o pôr-do-sol, aproveitando o horário em que os animais começam a sair dos abrigos em busca de alimento.
“Eles são capturados e identificados quanto a espécie, sexo, estado reprodutivo e idade. Quando as redes são fechadas, os animais capturados são soltos no mesmo local da captura”, afirma o especialista.
Além do uso de redes, é possível realizar também uma “busca ativa”, ou seja, procurá-los em suas moradas. Eles podem se esconder em:
Locas ou cavernas
Fendas em afloramentos rochosos
Edificações humanas – casas abandonadas, bueiros, túneis de passagem
Algumas espécies correm risco de desaparecer, especialmente afetadas pela fragmentação ou supressão de seus habitats naturais.
Com a aproximação das vilas e cidades às suas áreas naturais, alguns morcegos também passam a substituir sua dieta normal por outros alimentos, como os da agricultura, e encontram dificuldades para viver e se reproduzir. A mineração ameaça especialmente os morcegos que vivem em cavernas.
“As relações específicas entre algumas espécies pode contribuir para a manutenção das populações, como por exemplo o morcego nectarívoro Xeronycteris vieirai, que aparenta ter dieta exclusiva nectarívora, e dessa forma auxilia na polinização de uma gama de espécies de bromélias que ocorrem na caatinga, além de outras plantas”, conta Leandro Oliveira.
Morcego da espécie ‘Artibeus lituratus’, encontrado na caatinga
Leandro Oliveira/Cemafauna
Morcegos na transposição
Os morcegos se adaptaram a estruturas construídas junto aos canais em pelo menos nove pontos, três no Eixo Norte e seis no Eixo Leste.
“Observamos a colonização dos morcegos ao longo de várias estruturas do projeto, como os túneis de passagem de fauna e também os bueiros de drenagem, além da estrutura que protege as válvulas de controle dos reservatórios.” – Leandro Oliveira, pesquisador do Cemafauna
Esses mamíferos voadores encontram em túneis e bueiros condições favoráveis. São os chamados “morcegos cavernícolas”, ou seja, que moram em cavernas e saem, geralmente durante a noite, para se alimentar.
“Algumas espécies de morcegos têm alta fidelidade a seus abrigos”, afirma Oliveira. “No entanto, a escassez de alimento pode servir de gatilho para alterar esse comportamento. Ou seja, além da casa esses pequenos mamíferos voadores precisam de outros recursos, como alimento e água.”
Segundo ele, a presença constante das águas do Rio São Francisco ao longo do Eixo Leste atraiu os animais.
Morcegos da espécie ‘Lonchorhina aurita’ colonizam túneis de passagem nas áreas da transposição do Rio São Francisco
Leandro Oliveira/Cemafauna
Além disso, como as águas do Rio levam consigo alguns peixes, os pesquisadores preveem que morcegos piscívoros e outros que se alimentam de insetos acompanhem os canais.
“Algumas espécies têm como estratégia de obtenção de alimento caçar os insetos disponíveis próximo a grandes corpos d’água”, conta Oliveira.
Os morcegos que se alimentam de sangue (hematófagos) também existem na caatinga. A chegada da água a novas áreas provocou o aumento do agronegócio e da presença humana, juntamente com seus animais de criação (caprinos, ovinos e bovinos).
Segundo Oliveira, há indícios de que, por causa disso, esteja crescendo gradualmente a população do morcego hematófago da espécie Desmodus rotundus nas áreas do Eixo Leste. Eles acabam encontrando alimento com mais facilidade nos animais criados pelo ser humano.
Os dados sobre os morcegos nas áreas de influência da transposição são coletados duas vezes por ano por pesquisadores do Cemafauna.
“Ao contrário da maioria das espécies de morcegos que tem seu pico reprodutivo na época com maior disponibilidade de recurso (período de chuvas) os morcegos-vampiro podem se reproduzir durante todo o ano”, explica.
Canal da transposição do Rio São Francisco em Cabrobó (PE)
Celso Tavares/G1
VÍDEO SOBRE A TRANSPOSIÇÃO
Em julho, o Hora 1 levou ao ar uma matéria sobre o atraso na transposição. Um relatório apontava que, além da demora na conclusão da obra, a estrutura precisava de reparos constantes. Alguns problemas eram causados por erro no projeto original que teria sido superdimensionado, segundo o documento. Confira:
Doze anos após início da obra, transposição do Rio São Francisco não foi concluída
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