Meio Ambiente

Conversa com a juventude a cem segundos do fim do mundo

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Jovens do Vai na Web em uma das salas de estudo
Divulgação
Takaratu é um município de Pernambuco, localizado a cerca de 400 km da capital, Recife, e tem pouco mais de 24 mil habitantes. Seu clima é o semiárido, o que quer dizer que o verão é quente e seco, enquanto no inverno a temperatura não baixa muito, mas chove bastante. A principal atividade econômica de Takaratu é o artesanato, sobretudo de redes.
Filha de uma dessas artesãs, a jovem Dali, nascida e criada ali, costumava acompanhar o trabalho da mãe, sobretudo à tarde, depois da escola, sentada num tamborete em frente. Enquanto o olhar seguia as mãos ágeis da mulher, o pensamento de Dali ia longe. Queria sair da cidade, buscar um outro meio de vida. Sonhava e agia, no computador ao qual tinha acesso, no quarto de casa, procurando informações sobre cursos de tecnologia. Dali botou na cabeça que ia conseguir, trabalhando no setor, ganhar dinheiro para se emancipar.
Encontro Dali no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, Rio de Janeiro, palco do filme “Tropa de Elite”, onde moram, segundo o censo de 2010, mais de duas mil pessoas dividindo cerca de 650 casas. Dali faz parte de um grupo de pessoas que se beneficia de um curso gratuito de programação de sites e aplicativos da startup Vai na Web, que já dura três anos e formou 200 pessoas. Com Cícero, Camila, Yasmin, Evelyn, Cássio e Kelvin estava, nesta quinta-feira (23) pela manhã, trabalhando numa pequena sala instalada pelo projeto na Associação de Moradores do Prazeres.
Fui até lá a convite de um amigo, que conhece o programa e me disse: “Você vai adorar!”. É que desde os tempos em que eu editava o caderno “Razão Social”, no jornal “O Globo”, que atualizava temas do desenvolvimento sustentável, tenho acompanhado, dentro do possível, o movimento de pessoas ou empresas ou organizações que se dedicam a tentar ajudar outras. Nem sempre dá certo, muitas vezes falta continuidade no investimento, mas enquanto beneficia alguns, é bom conhecer. Meu amigo tinha razão, gostei da visita e, sobretudo, da oportunidade que tive de trocar informações com pessoas de 18 a 26 anos que já se tornaram conhecedores dos códigos que, verdadeiramente, hoje movem o mundo.
Roubei a atenção deles pouco mais de meia hora. Falamos sobre a condição humana, e me revelei perplexa, confusa, com a situação do nosso entorno. Naquele microbioma, conseguimos avançar e ampliar pensamentos. Do que mais gostei foi quando eles se identificaram como uma “rede de apoio”. Cada um tem seu aparelho de computador para fazer o trabalho – atualmente estão criando um aplicativo “tipo Tinder para empresas acharem voluntários – mas quando surge uma questão, todos se ajudam a decifrar a mensagem que a máquina lhes envia.
Conversamos sobre dinheiro. Será isto que ainda move os jovens que começam a dar os primeiros passos em uma profissão?
“Eu estava trabalhando com um negócio de ficar só olhando uma câmera de TV o tempo todo. Fui demitida. Amigos me indicaram o Vai Na Web e eu achei que era ‘mais um curso’, de tantos que eu já tinha feito. Não gostei muito no início, mas fui ficando por causa das aulas socioemocionais. Quando comecei a fazer tela, passei a gostar porque ali identifiquei que eu podia seguir carreira. Eu preciso ajudar minha família, ter uma vida estabelecida, conseguir pagar as contas, viajar sem depender dos outros”, conta Evelyn.
O capital é importante para todos aqueles jovens, e eu não esperava nada diferente disto, é claro. Mas outros assuntos são levantados e trazidos ao debate, incluindo a temática recorrente ao dispositivo que usam. É Dali, a moça pernambucana, quem fala:
“Acho importante o dinheiro. E estou aqui também porque não quero que esta coisa maravilhosa construa coisas ruins. Ele serve para dar poder às pessoas, para facilitar a vida. Mas também pode-se programar um drone ou fazer aplicativos de vigilância, vender dados. Isto é trabalhar para o capitalismo, isto não quero.”
Não mencionamos o fato de que a própria tecnologia que lhes possibilita hoje vencer desafios, também pode ser o algoz no mercado de trabalho. No último mês do ano passado foi divulgado um estudo do Laboratório do Futuro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apontando que a automação ameaça mais da metade dos empregos em todos os 5.570 municípios do país até 2040. São mais de 27 milhões de trabalhadores, 60% dos que têm carteira assinada, que correm o risco de ter alguma tarefa assumida por um robô. Estamos vendo isso acontecer debaixo dos nossos olhos, em bancos e supermercados. É a “outra face” do nosso desenvolvimentismo. Como será daqui para a frente?
Trabalhar pouco também é uma meta dos jovens com quem conversei, o que alinha o pensamento deles com aqueles que querem uma nova economia. Trabalhando menos, terão uma riqueza imensurável nas mãos: o tempo. E o que vão fazer dele é uma decisão absolutamente singular, eis o melhor de tudo.
E foi justamente enquanto conversávamos, no nosso microbioma singular, rodeados por uma comunidade diversa, complexa, pulsante, que o relógio que marca o tempo para o fim do mundo, andou um pouco mais à frente. Criado há 73 anos, portanto numa época muito distante, e talvez inalcançável para aqueles jovens cuja atenção se volta quase estritamente para as telas e seus algoritmos, o Relógio do Apocalipse, um símbolo adotado por cientistas do mundo todo, diz que estamos a apenas cem segundos para o fim do mundo. O risco de guerras nucleares, o risco das mudanças climáticas, de conflitos de toda ordem, tudo isso representa ameaças à humanidade no planeta.
Só para se ter um exemplo: novo estudo, publicado hoje no “Climate, Disaster and Development Journal”, ao apagar das luzes do Fórum Econômico Mundial de Davos, anuncia que Inundações e tempestades intensas em todo o mundo podem dobrar em frequência em 13 anos, à medida que a quebra do clima e os fatores socioeconômicos se combinam. Contra isso, uma das iniciativas listadas pelos empoderados senhores que participaram da reunião na Suíça foi plantar 1 trilhão de árvores até o fim da década.
Serão cobrados. Ativistas do mundo todo, sobretudo os mais jovens como aqueles com quem troquei pensamentos na manhã de ontem, têm se tornado uma pedra no sapato dos que querem transformar o discurso ambientalista numa retórica inútil. Greta Thunberg, a sueca de 17 anos, está entre eles, mas não é a única.
Não tem sido muito fácil viver num mundo com tantas privações com um relógio movendo-se tão rápido a caminho do fim. Por outro lado, vencer desafios vai virar expertise. Neste sentido, os meninos e meninas brasileiros que estão agora sendo beneficiados no projeto Vai na Web, pela bagagem de vida que trazem e pelo tanto que estão aprendendo, vão poder ocupar um bom espaço. Ficamos na torcida.