Economia

Câmara aprova MP que viabiliza privatização da Eletrobras

Câmara aprova MP que viabiliza privatização da Eletrobras thumbnail

Projeto cria exigências que devem ser cumpridas pela União. Especialistas dizem temer aumento do custo de energia; relator fala em redução de tarifa. Matéria vai ao Senado. Relator inclui compra de energia de termelétricas em MP da privatização da Eletrobras
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (19), por 313 votos a 166, uma medida provisória que viabiliza a privatização da Eletrobras. O texto segue agora para o Senado.
A oposição chegou a acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar impedir a votação, mas o pedido foi negado.
Por se tratar de uma medida provisória, a proposta entrou em vigor em 23 de fevereiro, quando foi publicada no “Diário Oficial da União”. Precisa, contudo, de aprovação do Congresso para se tornar lei em definitivo.
A MP também cria exigências que devem ser cumpridas pela União, o que é criticado por especialistas (veja mais abaixo). Desde a edição da MP, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ficou autorizado a iniciar os estudos para a privatização.
Atualmente, a União possui cerca de 60% das ações da Eletrobras e controla a estatal. Com a capitalização, deve reduzir sua participação na empresa para 45%. Entre outros pontos, a proposta prevê que:
o aumento do capital social da empresa será por meio da oferta pública de ações;
a participação de cada acionista ou grupo de acionistas não poderá ultrapassar 10%;
a União terá ação preferencial de classe especial, a “golden share”, que dará poder de veto nas deliberações sobre o estatuto social da empresa.
Câmara discute privatização da Eeltrobras
Exigências
O relator da MP, Elmar Nascimento (DEM-BA), incluiu exigências que o governo deve cumprir. Alguns parlamentares, contudo, chamaram essas regras de “jabutis”, jargão utilizado no Congresso quando deputados se referem a itens considerados estranhos ao conteúdo original da proposta:
Exigência de contratação prévia de 6 megawatts de termelétricas movidas a gás, sendo mil megawatts no Nordeste (em estado que não tenha suprimento de gás natural) e o restante nas regiões Norte e Centro-Oeste;
Criação de reserva de mercado para Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) de pelo menos 50% nos próximos leilões de energia nova, limitado a 2 mil megawatts;
Prorrogação por mais 20 anos dos contratos do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).
A primeira versão do relatório colocava essas medidas como “condicionantes” para a privatização, isto é, precisavam ser cumpridas antes do processo. A mudança teria ocorrido porque o governo sinalizou, reservadamente, que não seria capaz de realizar os leilões a tempo, mas as exigências estão mantidas.
O relator argumentou que todas alterações visam à redução de tarifa. “Nós estamos tentando substituir térmicas a combustível, que têm um preço cinco vezes mais caro que a térmica a gás e é ambientalmente sustentável”, defendeu Nascimento.
Veja os principais pontos da medida provisória de privatização da Eletrobras
Entidades criticam
Na visão de alguns especialistas, a inclusão dessas exigências pode aumentar os custos de energia.
A Associação dos Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), por exemplo, estima que a tarifa da conta de luz pode aumentar em até 10% para os consumidores em geral e em 20% para o setor produtivo.
A associação estima que só a contratação de termelétricas em quantidade e locais pré-estabelecidos pode ter um aumento de R$ 20 bilhões ao ano para todos os consumidores. Além disso, a prorrogação do Proinfa pode gerar impacto de R$ 3 bilhões anuais nas contas de energia e a reserva de mercado para PCH, custos de R$ 1 bilhão por ano por 30 anos.
“A proposta atual dá o sinal contrário, de um país que olha pra trás e impõe aos consumidores a obrigação de comprar uma energia cara. [O texto] Socializa custos e privatiza benefícios”, disse o presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, ex-secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia.
O Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), organização de 26 associações setoriais, também emitiu nota contra as mudanças apresentadas no relatório e disse que elas tornam o projeto “desequilibrado” e “merecem ser reavaliadas com o devido cuidado”.
“Tais dispositivos distorcem o mercado e trazem efeitos de curto, médio e longo prazo que aumentarão o custo da energia elétrica no Brasil”, afirmou a Fase.
As mudanças também foram criticadas por partidos da oposição. Uma das reclamações dos parlamentares é que o parecer de Nascimento foi apresentado com menos de 24 horas de antecedência.
“Qual é o sentido de se determinar o quanto se comprará de energia de termelétricas e de pequenas centrais hidrelétricas? É papel do Congresso agora colocar numa medida provisória quanto se vai comprar de que tipo de energia?”, disse o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ).
“Nós vamos lutar para que o texto encaminhado pelo governo seja apreciado no requerimento de prioridade mais adiante”, disse o líder do MDB, Isnaldo Bulhões Jr. (AL).
Governo responde
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), argumenta que serão arrecadados R$ 25 bilhões com a capitalização e que os recursos serão destinados a baixar os custos dos consumidores com energia.
Ainda segundo o parlamentar, a medida garante novos investimentos em infraestrutura.
“Estamos aqui nos comprometendo a adquirir mais 6 megawatss de energia térmica. Por quê? A crise hídrica que nós passamos agora vai continuar por algum tempo”, diz.
“O risco hídrico que hoje é pago pelo consumidor será pago pela empresa. Isso é muito importante, as bandeiras vermelhas vão diminuir”, disse.
Ponto a ponto
Veja detalhes da MP:
Repasse de verbas: o texto prevê que, até 2032, 75% do saldo em caixa da hidrelétrica binacional será destinado para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e o restante (25%), repassado para programas sociais do governo. A partir de 2033, a divisão dos recursos será alterada: 50% para a CDE; 25% para aplicação em programas de transferência de renda do governo; e 25% para a sociedade de economia mista ou empresa pública que a União pode criar para manter o controle da Eletrobras.
Risco hidrológico: o texto estabelece que a companhia interessada em conseguir a outorga terá que assumir a gestão do risco hidrológico do empreendimento, que não poderá ser renegociado. Há uma diferença entre a energia contratada de hidrelétricas e o total entregue em períodos de escassez de chuvas. O risco hidrológico surge quando há déficit na geração de energia hidrelétrica.
Recuperação hidrológica: a MP também estabelece a obrigação de aporte de R$ 350 milhões anuais, por dez anos, a concessionárias de energia elétrica localizadas na bacia do Rio São Francisco. O texto destina essa contribuição à revitalização dos recursos hídricos das bacias do Rio São Francisco e do Rio Parnaíba. A forma de aplicação desses recursos será definida por um comitê gestor, presidido por representante indicado pelo Ministro de Estado do Desenvolvimento Regional.
Preços mais baixos para demitidos: A proposta dá a trabalhadores demitidos em até um ano após a privatização a possibilidade de converter o valor da rescisão em ações da empresa pelo valor equivalente a cinco dias antes da edição da MP. Os empregados desligados terão até seis meses para fazer o pedido.