Economia

Auxílio emergencial: TCU e CGU divergem em R$ 44 bilhões sobre total de pagamentos indevidos

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Órgãos apuram valores de cadastros irregulares. TCU, que auxilia Congresso, estima R$ 54 bilhões de prejuízo e aponta ‘limitações’ em projeção de R$ 10 bilhões da CGU, ligada ao governo. Uma diferença de R$ 44 bilhões separa as estimativas da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU) – principais órgãos de controle das contas federais – sobre os valores pagos de maneira indevida no auxílio emergencial de 2020.
TCU e CGU têm se dedicado, nos últimos meses, a calcular quanto o governo federal pode ter gastado de forma equivocada ou com cadastros fraudados. O TCU é um órgão de controle responsável por fiscalizar os gastos públicos e, entre suas atribuições, também está a de auxiliar o Congresso Nacional. Já a CGU faz parte do Executivo e tem status de ministério.
O Tribunal de Contas estima prejuízo de R$ 54 bilhões, mas a Controladoria-Geral trabalha com um número bem menor: “apenas” R$ 10 bilhões.
O auxílio emergencial foi pago entre abril e dezembro do ano passado, como medida de socorro aos efeitos econômicos da pandemia, e retomado neste mês para uma nova rodada.
Entre as exigências para o recebimento do recurso estão a renda familiar per capita de até meio salário mínimo e a renda familiar total de até três salários mínimos mensais. Ao todo, mais de R$ 288 bilhões foram desembolsados dos cofres públicos, segundo o Ministério da Cidadania.
As estimativas dos dois órgãos, até o momento, dizem respeito apenas ao auxílio pago em 2020. No fim de fevereiro, balanço divulgado pelo TCU identificou:
7,3 milhões de beneficiários que teriam recebido as parcelas de forma indevida – ou seja, que não se enquadravam nos critérios do auxílio; e
6,4 milhões de mulheres que foram cadastradas como mães chefes de família sem, de fato, se adequarem a esse perfil – a classificação como mãe solteira dobrava o valor das parcelas mensais.
Juntas, essas irregularidades equivalem a um custo de R$ 54 bilhões estimado em pagamentos indevidos. O valor corresponde a quase 20% do valor total do programa em 2020.
A lista de pessoas que receberam recursos federais sem ter direito ao benefício inclui, segundo o TCU, mais de 700 mil servidores públicos (civis e militares) e mais de 60 mil pessoas mortas.
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CGU desconsidera cálculo
Já a Controladoria-Geral da União faz uma estimativa bem mais conservadora. Em audiência na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados, na última terça (20), o ministro Wagner Rosário projetou um rombo de R$ 10 bilhões em pagamentos indevidos.
“O que eu falo de pagamentos e, para não dizer fraudados, eu falo que são indevidos: nós chegamos perto de R$ 10 bilhões, sendo que quase R$ 5 bilhões nós impedimos que saíssem dos cofres públicos [foram bloqueados antes de ser liberados]”, disse o ministro da CGU.
A diferença entre as duas estimativas, de R$ 44 bilhões, equivale justamente ao valor total autorizado pelo presidente Jair Bolsonaro para a rodada de 2021 do auxílio, que tem parcelas menores que a versão 2020.
Confrontado sobre os dados já apresentados pelo TCU, Wagner Rosário disse garantir que a informação do tribunal de contas está errada.
“Nós aumentamos e muito os critérios do auxílio emergencial, fruto do aprendizado de fiscalização que nós fizemos. Então, esse dado de R$ 54 bilhões está completamente equivocado. Não sei quem jogou isso na mídia, mas está completamente equivocado e eu tenho certeza que a CGU pode, caso seja necessário, vir aqui e explicar com detalhes todo o trabalho revisado”, afirmou.
Apesar da fala taxativa de Rosário à comissão, a CGU informou ao G1 que os dados do órgão são preliminares e ainda estão “em fase de consolidação” (veja abaixo).
A controladoria não divulgou, por exemplo, o número de beneficiários irregulares que receberam esses R$ 10 bilhões e nem o detalhamento das irregularidades identificadas.
Em julho de 2020, por exemplo, a CGU já havia identificado 395 mil servidores públicos cadastrados irregularmente no auxílio. Relembre no vídeo abaixo:
CGU identifica 395 mil servidores que receberam auxílio emergencial indevidamente
Presidente da comissão, o deputado Aureo Ribeiro (SD-RJ) disse ter recebido os dados com “muita estranheza”.
“A CGU só conseguiu constatar 20% dos pagamentos equivocados que o TCU constatou. Tem alguém que está errado”, afirmou o presidente da Comissão de Fiscalização.
Wagner Rosário foi chamado a prestar novos esclarecimentos ao colegiado para detalhar os erros na liberação do auxílio emergencial. Ainda não há data prevista para a audiência.
Base de dados
Questionado pelo G1, o TCU respondeu que não houve atualização nos dados desde o relatório de fevereiro e sustentou o valor de R$ 54 bilhões estimado em pagamentos indevidos. O tribunal apontou, ainda, a existência de limitações nos dados da CGU.
“Os bancos de dados governamentais apresentam limitações, em especial quando formados a partir de autodeclaração dos interessados”, informou o órgão.
“Assim, paralelamente ao cruzamento de dados simples, este tribunal buscou também outra abordagem complementar, avaliando riscos e estimando a inclusão indevida de beneficiários a partir de dados estatísticos divulgados pelo IBGE em pesquisas amostrais (PNAD Contínua)”, acrescentou.
O G1 também pediu detalhamento à CGU, mas o órgão disse que os resultados ainda estão “em fase de consolidação”. O levantamento da pasta foi encaminhado ao Ministério da Cidadania – responsável por operar os pagamentos do auxílio.
“O valor de 10 bilhões, de resultados parciais (haja vista que o trabalho ainda está em fase de consolidação dos resultados), considera desembolsos que foram feitos a beneficiários que não faziam jus ao benefício (não necessariamente fraudes)”, informou a assessoria da CGU.
Durante a audiência na Câmara, Rosário detalhou parte da metodologia usada pela controladoria-geral. Citou, por exemplo, cruzamento de bases de dados dos recebedores do auxílio emergencial com a lista de brasileiros residentes no exterior e com os proprietários de veículos de valor superior a R$ 60 mil.
Rosário citou ainda a realização de operações policiais no último ano para prender pessoas que estavam com mandado de prisão em aberto e haviam recebido o benefício.
“A CGU tomou a inciativa de pegar o banco de pessoas que estavam com mandado de prisão em aberto, cruzou com a base de dados e fez várias operações com as polícias civis prendendo pessoas que estavam livres. Deixo claro que a gente pode escrever a melhor norma do mundo. O sistema é passível de fraude. O que nós temos que fazer é levar essa fraude para o mínimo aceitável”, disse.
Segundo o ministro da CGU, as falhas de pagamento não são originadas pela norma. “Essas falhas têm origem em pessoas descompromissadas com o seu papel de cidadão que fraudam o sistema”, pontuou.
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