A reunião por videoconferência dos coordenadores dos países do bloco terminou num impasse sobre o ‘Brexit’ argentino. Haverá uma nova reunião no próximo dia 7 de maio para avaliar uma solução à postura argentina de abandonar as negociações comerciais. A Argentina recuou da decisão de abandonar completamente as negociações do Mercosul com outros países e pede agora a Brasil, Paraguai e Uruguai para negociar numa velocidade menor, entrando nos acordos depois dos demais membros do bloco sul-americano.
“A Argentina ratifica a necessidade de avançar na procura de soluções conjuntas que permitam aos países do bloco avançarem em ritmos diferenciados com a agenda de relacionamento externo, levando em consideração a situação econômica interna da Argentina e o contexto internacional (de pandemia)”, ponderou, em nota, o Ministério das Relações Exteriores da Argentina, depois de uma reunião por videoconferência entre os coordenadores dos países do Mercosul nesta quinta-feira (30).
A estratégia de tentar continuar na mesa de negociações para tratados de livre comércio com Coreia do Sul, Canadá, Singapura e Líbano, depois de anunciar que abandonava todas essas negociações, aponta agora para conseguir que os demais membros do Mercosul, Brasil, Paraguai e Uruguai, aceitem que a Argentina entre nos acordos posteriormente num mecanismo denominado “duas velocidades”.
Duas velocidades
O mecanismo proposto daria à Argentina mais tempo para cuidar primeiro da sua crise econômica interna, agravada pela pandemia, e para renegociar a sua dívida pública externa com os credores privados.
A Argentina poderia entrar num acordo posteriormente ou ter prazos mais longos do que os demais membros do Mercosul para a entrada em vigência de um acordo.
Os negociadores de Brasil, Paraguai e Uruguai vão avaliar a proposta Argentina ao longo da semana e terão uma nova reunião no próximo dia 7. Antes disso, porém, no dia 5 de maio, “vão trocar documentos para encontrarem o melhor mecanismo que atenda os interesses de cada país nas negociações externas”, considerando que “a melhor solução sempre será um acordo de todos os membros”, expressou o governo argentino em nota.
Colisão de visões entre Argentina e Brasil
Sobre o ponto de colisão entre a Argentina e o Brasil, acompanhado por Uruguai e Paraguai, em relação à Coreia do Sul, o comunicado adverte que a visão argentina é de que um acordo com a Coreia do Sul põe em risco os empregos industriais no país.
“Em relação a um eventual acordo com a Coreia do Sul, diversas entidades que representam os setores produtivos manifestaram formalmente as suas objeções sobre o impacto no tecido industrial, sobretudo no contexto da crise global gerada pela covid-19”, apontou a chancelaria argentina.
A nota não inclui que todos os demais setores do país e os líderes opositores consideraram que a decisão do governo fará o país perder mercados importantes e ficar isolado na região.O setor agroindustrial argentino, por exemplo, representado por 26 entidades, considera que a Argentina deveria retornar à mesa de negociações comerciais para justamente enfrentar o impacto econômico e social da pandemia.
Na sexta-feira (24), a Argentina decidiu abandonar todas as negociações, atuais e futuras, do Mercosul para acordos de livre comércio com outros países e blocos, alegando que “se concentrará na sua política interna e protegerá as suas empresas e famílias humildes”.
Brasil, Paraguai e Uruguai querem acelerar as negociações comerciais porque acreditam que a abertura de novos mercados vai ajudar a enfrentar os efeitos da crise econômica provocados pelo coronavírus no comércio internacional.
Já a Argentina defende que é preciso primeiro medir o dano causado pelo vírus na economia para depois avaliar como continuar com as negociações comerciais.
Risco de ruptura
A decisão argentina, na prática, bloqueia o objetivo dos demais membros, Brasil, Paraguai e Uruguai, de abrir-se ao mundo porque a denominada resolução 32, aprovada em 2000, proíbe a negociação individual de acordos com países de fora do bloco. Pelas atuais regras, todos os países precisam negociar em conjunto e aprovar determinada decisão por consenso.
O Brasil viu na decisão argentina de abandonar as negociações uma oportunidade de avançar na abertura comercial sem obstáculos da Argentina e quer explorar, junto aos demais membros, uma brecha na normativa do bloco para driblar a Argentina e evitar que se torne um obstáculo nas negociações.
Já a Argentina entende que essa flexibilização nas regras seria o fim do Mercosul como união alfandegária.
“O governo argentino tem feito um enorme esforço para que a harmonia do Mercosul não se rompa. Em vez de dizer aos nossos sócios que não podem avançar sozinhos como querem, que não são livres porque isso seria uma ruptura, nós vamos procurar duas velocidades”, explicou o chanceler argentino, Felipe Solá, acrescentando que a Argentina não quer ficar de fora, mas quer ver “quando” e “como” entra depois.
“Se os demais membros querem acabar com o Mercosul, que o digam. Se o Brasil quer fazer o que bem entender, para que existe o Mercosul?”, questionou, nesta semana, o presidente argentino Alberto Fernández, quem assumiu o cargo em dezembro e retirou a Argentina do caminho do livre comércio que permitiu ao Mercosul fechar, no ano passado, acordos a União Europeia e com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, nas siglas em inglês).
Erro estratégico, indicam analistas
Em entrevista à RFI, o economista argentino Marcelo Elizondo, uma dois mais destacados consultores sobre Mercosul, considera que a decisão argentina vai “esfriar o vínculo da Argentina com os vizinhos”.
“O avanço que os demais sócios do bloco tiverem nas negociações sem a Argentina criará sócios de segundo nível, como a Argentina, e sócios de primeiro nível como Brasil, Uruguai e Paraguai. Isso enfraqueceria a entidade institucional do bloco como um todo”, advertiu Elizondo.
O ex-chanceler argentino, Jorge Faurie, um dos artífices dos dois acordos comerciais fechados no ano passado, considera “um erro estratégico” da Argentina retirar-se das negociações.
“O Mercosul é a única instância que a Argentina terá para superar a crise”, afirma Faurie para quem a decisão revela uma intenção de “auto-proteção nacionalista” da Argentina “sem vínculos com o mundo”.
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