Economia

Agricultura emitiu parecer contra renovação de imposto zero para etanol importado, diz documento

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Documento de 2019 defende extinção e diz que ‘não há razões que justifiquem’ renovação da cota. Brasil e EUA firmaram acordo por três meses. PSOL acionou MP para contestar medida. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento emitiu nota técnica, em julho de 2019, na qual recomendou que o governo não renovasse a cota de imposto zero para o etanol importado.
O documento diz, entre outras coisas, que “não há razões que justifiquem” a renovação do acordo e que a extinção da cota “garante a previsibilidade do setor produtivo”.
O Ministério da Agricultura faz parte do comitê que na última sexta-feira (11) aprovou a importação de mais 187,5 milhões de litros de etanol dos Estados Unidos sem o imposto de 20%. Os EUA respondem por cerca de 90% do etanol importado que chega aos portos brasileiros a cada ano.
O acordo foi necessário porque a cota de importação, que previa isenção anual para até 750 milhões de litros importados de países fora do Mercosul, deixou de valer em agosto. Desta vez, o governo brasileiro preferiu fechar um acordo diretamente com os Estados Unidos, em vez de renovar a cota global.
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No documento de 2019, no entanto, técnicos da Agricultura dizem que o setor produtivo brasileiro aguardava o restabelecimento do imposto desde 2017, e que a cobrança garantiria a “previsibilidade no setor produtivo”.
A taxação também “fortalece a posição brasileira nas negociações com os Estados Unidos para a ampliação do comércio tanto do etanol como do açúcar entre os dois países”.
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Na prática, esse “fortalecimento de posição” significa que o Brasil poderia usar o restabelecimento do imposto para negociar termos comerciais mais favoráveis. Com a renovação da cota sem contrapartida, essa negociação ficou prejudicada.
O parecer é assinado pelo coordenador-geral do Departamento de Comércio e Negociações Comerciais da Secretaria de Comércio e Relações Internacionais (Scri) do Ministério da Agricultura, Carlos Halfeld Limp Junior, e pela diretora do mesmo departamento, Ana Lúcia Oliveira Gomes.
Além da Agricultura, aprovaram o novo acordo a Presidência da República e os ministérios da Economia e das Relações Exteriores, todos membros do Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior do Ministério da Economia. A nova cota entrou em vigor nesta segunda (14), com validade de três meses.
Mais argumentos
No documento de 2019, a equipe técnica do Ministério da Agricultura lista pelo menos outros três argumentos para que o Brasil deixe de favorecer o etanol importado – além da previsibilidade e da competitividade para o combustível nacional:
Falta de reciprocidade – O texto cita, por exemplo, a resistência dos Estados Unidos em aumentar a importação brasileira de açúcar. O produto vem da mesma cana-de-açúcar usada para o etanol brasileiro, e a indústria sucroalcooleira avalia o mercado constantemente para decidir qual produto está mais vantajoso. O etanol dos EUA é produzido majoritariamente a partir do milho, e a cadeia de produção dos EUA recebe subsídios vultosos do governo americano. Com esse subsídios e a isenção tarifária, o combustível importado chega ao Brasil mais barato que a própria produção nacional. “Comparativamente, em dados equivalentes, a cota de importação de etanol concedida pelo Brasil corresponde a 5 vezes o montante a que o Brasil tem direito da cota norte-americana de açúcar”, diz a nota do ministério.
Desregulamentação ambiental nos EUA – O documento do Ministério da Agricultura aponta, como outro entrave, alterações feitas pelo governo Donald Trump na legislação ambiental norte-americana. Segundo o texto, o país “ampliou o limite de emissão de gases, afastando assim a necessidade em importar o etanol brasileiro”. O biocombustível é mais ecológico que o diesel, a gasolina e o carvão, usados intensivamente pela indústria norte-americana.
Impacto no Nordeste brasileiro – O documento de 2019 do ministério aponta ainda um impacto negativo da cota de importação sobre a região Nordeste do país, onde a produção de cana-de-açúcar emprega mais trabalhadores. Em termos gerais, o Brasil produz cana durante quase todo o ano. A safra no Norte-Nordeste vai de novembro a abril, e no Centro-Sul, de abril a novembro. “A queda da produção decorrente do aumento das importações causa impacto social importante na Região (cuja produção é intensiva em mão-de-obra), além de refletir também na produção da região Centro-Sul, responsável pelo atendimento do consumo do Nordeste durante a entressafra”, diz a nota técnica.
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Questionamento ao MP
O documento foi obtido pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP) em pedido com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), e anexado a uma representação apresentada pelo partido nesta segunda-feira (14) ao Ministério Público Federal no Distrito Federal.
Os deputados pedem que o MPF abra procedimento administrativo e anule o acordo firmado por Brasil e Estados Unidos. “A ausência de interesse público na aprovação da referida cota evidencia o uso da estrutura do Governo Federal para influenciar nos resultados das eleições norte americanas”, diz o PSOL.
Além disso, os deputados citam resposta do Ministério da Economia, também obtida via Lei de Acesso, em que a pasta diz não ter estimativa de impacto orçamentário e financeiro para a concessão do referido benefício aos americanos.
Questionado nesta terça sobre o acordo e sobre as conclusões da nota técnica de 2019, o Ministério da Agricultura preferiu não comentar.
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Acordo renovado
No fim de agosto, a cota isenta de imposto de importação que o Brasil mantinha para todos os países fora do Mercosul expirou — e o governo decidiu, inicialmente, não renovar o benefício.
A isenção foi estabelecida em 2010 para os primeiros 600 milhões de litros a entrarem no Brasil a cada ano, e ampliada em 2019 para 750 milhões. A partir desse ponto, passava a incidir a tarifa de importação de 20%.
Em 2019, o Brasil importou 1,457 bilhão de litros do combustível – mais da metade, sem cobrar imposto. Do total importado, 90,66% (1,321 bilhão de litros) veio dos Estados Unidos.
O fim da isenção foi comemorado pelo setor sucroalcooleiro já que, sem as facilidades para o etanol norte-americano , a produção nacional ganharia competitividade. Com a pandemia de Covid-19, o consumo de combustíveis diminuiu e o estoque das usinas brasileiras aumentou.
A cota, no entanto, é considerada estratégica para as relações com o governo Donald Trump, de quem Bolsonaro é aliado. O presidente dos EUA chegou a apontar possibilidade de “retaliação” caso o imposto fosse restabelecido para todo o etanol.
Mais que a simples renovação da cota, Trump defende a eliminação de todas as taxas sobre o etanol que os EUA vendem para o Brasil.
Em plena campanha de reeleição, Trump pode usar o acordo com o Brasil para agradar os produtores de milho dos Estados Unidos. A desregulamentação ambiental citada pelo Ministério da Agricultura no parecer também prejudicou a categoria por lá, porque isentou refinarias pequenas de misturarem etanol na gasolina.
A cota de isenção para o etanol dos EUA não é recíproca. O açúcar que o Brasil exporta, derivado da mesma cana-de-açúcar usada para o etanol, é taxado em 140% ao chegar em solo norte-americano.
Em agosto, enquanto pressionava pela renovação da cota de álcool, Trump atacou a balança comercial com o Brasil em outra frente, reduzindo a quantidade de aço brasileiro importado sob tarifa diferenciada.
Segundo o Instituto Aço-Brasil, a restrição irá representar uma queda acentuada das vendas no 4º trimestre, de 350 mil toneladas para 60 mil toneladas. O governo brasileiro não anunciou qualquer medida de retaliação ou renegociação do anúncio feito por Trump, e disse apenas que pretende retomar o assunto em dezembro.
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