Meio Ambiente

A bela história de resistência dos ‘Peixes das Nuvens’

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A bela história de resistência dos ‘Peixes das Nuvens’
Divulgação/Marco Terranova
Neste tempo de recomeço e de promessas, muitas delas soltas no ar, e lá ficarão, recebi um livro que pode ser visto apenas como “um a mais” dentre aqueles que alertam para a necessidade de os humanos se entenderem melhor com o ambiente.
Quem sabe até, nas reflexões que também ganham mais espaço nas conversas de fim e início de um novo ciclo, esteja mesmo o desejo de passar a respeitá-lo. Fui assim pensando enquanto folheava “A expansão urbana do Rio de Janeiro e o peixe das nuvens”, escrito por Claudio Egler, Dalton Nielsen, Fabio Origuela de Lira e Paulo Gusmão e editado em dezembro pelo Andrea Jakobsson Estúdio.
O livro é bonito, com fotografias muito bem escolhidas por Marco Terranova , e chamou minha atenção justamente porque expõe, de modo singular, o imbróglio no qual a humanidade do mundo branco ocidental se vê envolvida quando põe suas necessidades e desejos acima da vida de outras espécies, sem considerar que dependemos delas para estarmos no planeta com alguma qualidade de vida.
A primeira parte conta a história da formação da cidade do Rio de Janeiro e de como, de forma agressivamente antropocêntrica, os humanos daquela época usavam a força de negros e indígenas para aniquila territórios de floresta que serviam como trava para o desenvolvimento.
Isto ainda vem sendo feito em dias de hoje, é claro, mas ao menos, agora, com uma certa culpa ou, em casos extremos, driblando leis . Ou seja: não mudou muita coisa, na verdade.
“O cultivo do café começou na cidade do Rio de Janeiro no início do século XIX, havendo fazendas de café na encosta do Corcovado, nos morros vizinhos à Gávea. No Maciço da Tijuca, vários fazendeiros franceses devastaram a floresta para plantar o café. Da mesma maneira, os cafezais se expandiram nas encostas do Maciço da Pedra Branca, nas encostas do Maciço da Pedra Branca, nas encostas de Jacarepaguá e nas elevações em torno de Santa Cruz”, conta o livro.
E a vida seguia, sem muitos assombros por parte dos humanos brancos que, afinal de contas, estavam mesmo cuidando de sua vida, empoderados pelo capital, tornando tudo em volta, mercadoria. Até negros e indígenas entravam nesta conta, tanto que, como se sabe, fomos o país em que mais tempo durou a atrocidade que tem por nome escravidão. Cada vez mais distantes da natureza, os poderosos do capital usavam ferramentas (de novo: negros e indígenas) para capturar tudo o que fosse possível no intuito de acumular mais dinheiro.
Passamos para a segunda parte do livro, e aí sim eu me comovi com a história, que eu desconhecia, de um pequeno peixe, com cerca de sete centímetros de comprimento, cuja família nasceu há cerca de 85 milhões de anos mas que, por agora, estão aos poucos se extinguindo. São os peixes das nuvens.
A sabedoria popular lhes deu este nome porque, de fato, eles só conseguem “brotar” nos brejos depois que chove. O peixe das nuvens talvez seja, de todas as espécies que nos cercam, no país mais biodiverso do planeta, o que mais se adapta ao meio ambiente. Uma lição e tanto aos humanos. Mesmo sendo uma criatura das águas, ele consegue viver num brejo que fica seco a metade do ano:
“Para tanto, este grupo desenvolveu um intrigante mecanismo reprodutivo adaptado a essas condições. O macho e a fêmea depositam seus ovos no substrato dos brejos. Quando a estação da seca chega, os brejos secam, matando os peixes. No entanto, seus ovos ficam enterrados e desenvolvendo-se dentro do substrato úmido, até a próxima estação das chuvas. Quando a chuva retorna, no ano seguinte, os brejos enchem novamente de água, fazendo com que os ovos eclodam, dando origem a novos peixinhos, que, por sua vez, precisam crescer e se reproduzir antes que a próxima estação seca chegue, recomeçando o ciclo. Por essa razão, ficaram conhecidos como ‘peixes das nuvens’ ou ‘peixes anuais’”.
Como vivem pouco tempo e precisam se reproduzir rapidamente, os peixes das nuvens comem desde microorganismos e macroorganismos porque precisam de muita energia. Ocorre que os brejos, seu ambiente natural, aqui na cidade do Rio de Janeiro, estão ficando cada vez mais escassos. No passado, época das epidemias, muitos foram aterrados para se garantir a saúde da população. A partir dos anos 70, muitos ficam perto de aglomerados urbanos e tornam-se depósito de lixo.
Outros desaparecem por conta da especulação imobiliária, caso específico da Zona Oeste,na Barra da Tijuca. Os peixes das nuvens, assim, estão em processo avançado de extinção. Muitos são salvos por aquaristas, que os reproduzem em cativeiro. Até o momento, das 13 espécies fluminenses desses peixes, apenas três estão em áreas protegidas.
“Devido ao alto grau de perigo de extinção, e mesmo pelas extinções já ocorridas, essas espécies necessitam de atitudes humanas concretas e urgentes para terem assegurado o seu direito à vida. A mais óbvia ação seria a preservação de seus ambientes naturais, com a exclusão da população humana e suas construções do entorno dos locais em que vivem as espécies. Para isso, seria necessário deslocar parte da população, o que, apesar de ser a melhor alternativa, é muito difícil de ser realizado, se não impossível, por questões políticas e econômicas”.
Sim, claro. Como imaginar, num mundo em que muitos dos líderes de nações ainda negam que as mudanças climáticas estejam acontecendo em conseqüência das ações do homem, que um pequeno peixe de sete centímetros seja capaz de romper pensamentos antropocêntricos?
“Perceber-nos como não sendo os únicos seres com noção de existência torna o mundo mais rico e traz novos significados às paisagens, a partir de todas as perspectivas possíveis”, conclui o arqueólogo Fabio Origuela de Lira no livro.
A sugestão possível é a educação ambiental. É a forma de se conseguir adeptos à causa. Que se dê informações, inúmeras, a uma geração que tenha em mãos a tecnologia possível, já criada, e ao mesmo tempo alguma formação sensível, que os humanos andam perdendo pelo caminho da vida. É possível a convivência com respeito, e isto se aplica também às questões sociais, de diversidade. No fim e ao cabo, é só ter respeito.
Feliz Ano Novo.