Economia

1 ano após a tragédia de Brumadinho, Vale recupera valor de mercado e volta a ver lucro

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Empresa tem um valor de mercado semelhante ao que tinha antes do rompimento da barragem, que deixou 259 mortos e 11 desaparecidos. Alta do preço do minério e operação eficiente ajudaram retomada. Um homem observa a lama depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
Mauro Pimentel/AFP
Um ano após o rompimento da barragem de Brumadinho, que deixou 259 mortos e 11 desaparecidos, a Vale conseguiu recuperar a confiança dos investidores, mitigou boa parte do impacto financeiro da tragédia e caminha para um 2020 de fortes resultados.
A alta dos preços do minério, a demanda aquecida da China e a produção a baixo custo da mineradora ajudam a explicar por que ela conseguiu abrandar rapidamente os efeitos da tragédia.
Ao menos junto aos investidores, os danos já foram recuperados. Na bolsa, a empresa tem um valor praticamente igual ao de um ano atrás, quando a lama de rejeitos cobriu Brumadinho e provocou uma das maiores tragédias envolvendo uma companhia privada no país.
Logo após o desastre, a reação no mercado financeiro foi imediata. As ações da mineradora caíram bruscamente diante da incerteza quanto ao tamanho do impacto na operação da empresa.
“As ações obviamente despencaram porque não poderia nem ser considerado acidente, já que aconteceu pela segunda vez”, diz a analista Gabriela Cortez, do Banco do Brasil, que acompanha as ações da mineradora, em referência ao rompimento da barragem da Samarco em Mariana, em 2015. A Samarco pertence à Vale e à anglo-australiana BHP Billiton.
As perdas na bolsa chegaram a mais de R$ 70 bilhões nos dias que se seguiram à tragédia. Mas cerca de três meses depois boa parte desse valor foi recomposto. Em 25 de janeiro de 2019, no dia do rompimento da barragem, o valor de mercado da Vale era de R$ 287,8 bilhões. No pior momento, em 7 de fevereiro, chegou a R$ 213,2 bilhões e, na última sexta-feira, estava em R$ 275,9 bilhões.
Valor de mercado da Vale
Arte/G1
“O mercado penalizou a companhia num primeiro momento, mas houve uma alta no preço do minério de ferro”, diz Pedro Galdi, analista de investimentos da gestora Mirae. “E o mercado financeiro não tem coração, se o papel ficou barato, (o investidor) compra de novo.”
Procurada pelo G1, a Vale não quis comentar sobre a recuperação do valor de mercado da companhia na bolsa de valores.
Para população, recuperação não veio
Se para a companhia a maior parte do impacto já foi mitigada, para a população de Brumadinho as marcas da tragédia ainda são latentes e muitas perguntas permanecem sem respostas. Reportagem do G1 publicada nesta semana mostrou como os trabalhadores ainda são afetados pelo desastre.
Além das 11 famílias que ainda aguardam para poder enterrar seus entes, são vários os relatos de sobreviventes que se queixam falta de assistência da companhia, enfrentam depressão e distúrbios psicológicos, e buscam por justiça. Até hoje, ninguém foi preso ou responsabilizado.
Imbróglios na Justiça
Embora a Vale tenha recuperado o seu valor de mercado, a mineradora enfrenta imbróglios com a Justiça. Nesta semana, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou o ex-presidente da companhia Fabio Schvartsman e mais 15 pessoas pelo crime de homicídio doloso, aquele em que há a intenção de matar.
Elas também vão responder por crime ambiental, assim como a Vale e a empresa de engenharia TÜV SÜD, que havia atestado a segurança da barragem.
Com a crise provocada pela tragédia de Brumadinho, Schvartsman se afastou do comando da Vale em 2 de março e foi substituído por Eduardo Bartolomeo.
Fabio Schvartsman, ex-presidente da Vale, depois de conceder entrevista coletiva sobre o rompimento de barragem em Brumadinho (MG)
Pilar Olivares/Reuters
No ano passado, até o terceiro trimestre, a Vale provisionou, ou seja, reservou dentro do seu balanço, US$ 6,2 bilhões (cerca de 24,1 bilhões) para cobrir todos os estragos provocados por ela em Brumadinho. Nessa conta, entram compensações financeiras às famílias das vítimas, multas ambientais e gastos para descomissionar barragens a montante, modelo das duas barragens que estouraram.
Por enquanto, R$ 6 bilhões em pagamentos já foram feitos, segundo a empresa. Parte saiu do “colchão” provisionado e parte saiu diretamente do caixa da empresa.
A companhia calcula que, no total, considerando despesas e provisões, o desastre custe aproximadamente US$ 8 bilhões aos seus cofres entre 2019 e 2031, sendo que 75% desse valor deve estar contabilizado até 2022.
Preço compensa queda na produção
A recuperação da Vale também é visível nos balanços divulgados pela companhia ao longo de 2019. No primeiro trimestre, a mineradora reportou prejuízo bilionário em função de provisões para cobrir despesas com o desastre. No segundo, também teve perdas. Mas, apesar disso, a operação continuava forte e gerando receita e, já no terceiro trimestre, a empresa conseguiu reverter os prejuízos anteriores e lucrou R$ 6,5 bilhões.
Os dados do quatro trimestre e do ano fechado só serão divulgados em 20 de fevereiro. Nos nove primeiros meses do ano, a empresa acumula prejuízo de R$ 264,4 milhões.
Últimos resultados financeiros da Vale
Arte/G1
Na ponta desse resultado, está uma forte valorização do minério de ferro. Em 2019, a tonelada encerrou o ano a US$ 90, um crescimento de quase 36% na comparação com 2018.
A cotação subiu por um descompasso entre oferta e demanda mundial causado, em parte, justamente pelo desastre da Vale, que fez cair a produção da mineradora, importante exportadora global da commodity. Ao mesmo tempo, empresas do ramo na Austrália – país que também é grande vendedor de minério – tiveram a oferta comprometida ao longo de 2019 depois que um ciclone tropical destruiu portos e outras estruturas.
Do lado da demanda, a procura por minério na China crescia conforme o setor siderúrgico batia recordes.
Evolução do preço do minério de ferro
Arte/G1
As operações paradas por conta da tragédia – não apenas da mina de Brumadinho, mas de outras que também tinham barragens semelhantes e foram interditadas pela Justiça – reduziram a capacidade de produção de minério da Vale em 93 milhões de toneladas.
Mas a companhia já conseguiu reverter algumas decisões e voltar com parte das operações e espera retomar o restante das que estão paralisadas, que somam 50 milhões de toneladas, até o fim de 2021.
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No acumulado dos nove primeiros meses de 2019, a produção de minério de ferro da Vale foi de 223,6 milhões de toneladas, uma queda de 21% em relação ao mesmo período do ano anterior. Em volume, as vendas também recuaram no período: foram 191,4 milhões de toneladas, queda de aproximadamente 16%.
Apesar disso, puxada pela alta dos preços, em valores, as vendas totais da empresa (receita líquida) cresceram 11% na mesma comparação e somaram R$ 107, bilhões, contra R$ 97 bilhões nos nove primeiros meses de 2018.
“Em 2019, com o rompimento da barragem de Brumadinho, a Vale anunciou um ajuste na sua capacidade de produzir. Nesse meio tempo, a oferta australiana ficou comprometida por causa do ciclone”, afirma o Felipe Beraldi, analista da consultoria Tendências. “Junto com esse quadro da oferta, houve um bom desempenho da demanda da China por minério.”
Outro ponto que pesou a favor da Vale foi que ela conseguiu formar a reserva financeira para reparar os danos da tragédia sem se endividar. No fim de 2018, sua dívida líquida (dívida total menos o dinheiro guardado em caixa) era de R$ 37,5 bilhões. Em março de 2019, chegou a R$ 53,7 bilhões, mas, em setembro, caiu para R$ 33,4 bilhões.
“A geração de caixa deles é muito forte, com a própria operação conseguiram honrar todos os pagamentos que tinham”, destaca Gabriela, do BB.
Também são um trunfo da empresa as operações no Norte do país, que extraem minério de alta qualidade a um custo baixo em comparação com o das concorrentes estrangeiras, segundo os analistas.
O gigantesco complexo S11D, no Pará, inaugurado em 2016 e com investimentos anunciados de US$ 14,3 bilhões, respondeu sozinho, por 24,2% da produção de minério de ferro da empresa de janeiro a setembro de 2019. No mesmo período de 2018, a participação era de 14,9%. Diferentemente da mina de Brumadinho, lá o material é beneficiado a seco.
O que esperar de 2020
Sede da Vale, no Rio de Janeiro
Reuters
Se o quadro atual for mantido, os analistas avaliam que a Vale deve colher um bom resultado este ano. Há quem não descarte um resultado positivo já no balanço fechado de 2019, porque não há expectativa de que a companhia volte a ter de provisionar valores significativos.
Assim, a mineradora conseguiu limpar o seu balanço e ainda vai se beneficiar da cotação do minério de ferro.
“Ela deve seguir pagando indenizações e isso deve aparecer ainda elevando as despesas. Mas já está provisionado, só é abatido das provisões, não afeta o balanço, só sai do caixa”, diz Gabriela.
O preço do minério até deve ter uma redução neste ano, mas num patamar ainda bastante confortável para a mineradora. A equipe da XP Investimentos projeta que o preço da tonelada deve ter uma cotação média de US$ 85 em 2020.
“A cotação ficaria um pouco abaixo de 2019, mas em níveis muito saudáveis ainda para a empresa”, diz Yuri Pereira, analista da XP Investimentos. “Essa cotação (de US$ 85) pode ser até conservadora dependendo de como for a primeira metade do ano porque a temporada de ciclones na Austrália começa agora, e o mercado está um pouco reticente depois do ano passado. E, no Brasil, há um nível de chuva mais alto, o que pode prejudicar o nível de escoamento.”
Antes da tragédia de Brumadinho, após passar por um processo de fortalecimento de governança, a Vale mudou sua política de remuneração aos acionistas. Ela anunciou que passaria a distribuir 30% da sua geração de caixa, medida pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda), menos o investimento corrente. A ideia era se consolidar como uma grande pagadora de dividendos, o que também deve acontecer.
“Essa é a nossa expectativa agora. Com [as operações do] Norte ‘rampando’ [amadurecimento das operações] com produto de qualidade e custo menor, e com a capacidade voltando, a operação rentável, a geração de caixa forte, e sem nenhum projeto previsto, não enxergo muito o que fazer com esse dinheiro [além de remunerar acionistas]”, diz Gabriela, do BB.