O país-sede usa conceitos indígenas e muda a agenda para ajudar os delegados a concordarem em maneiras de cumprir as metas climáticas já existentes.
Contêineres, navios de cruzeiro, barcos fluviais, escolas e até quartéis do Exército foram transformados em acomodações para as mais de 50 mil pessoas que estão chegando à Amazônia: a COP30, a conferência do clima deste ano, promete ser, em muitos aspectos, uma das mais peculiares já realizadas.
Localizada em Belém, uma pequena cidade na foz do rio Amazonas, a sede brasileira tem sido criticada pelo alto custo de quartos de hotel e apartamentos temporariamente desocupados. Muitas delegações reduziram suas equipes, enquanto empresários preferiram realizar eventos paralelos em São Paulo e Rio de Janeiro.
Mesmo assim, o Brasil manteve firme seu plano. Esta COP carregará a marca do país anfitrião de forma muito mais profunda do que a maioria das conferências anteriores — é o retorno da COP ao país onde tudo começou, em 1992, quando foi assinada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) durante a histórica Eco-92, no Rio de Janeiro.
Logo de início, chefes de Estado e de governo, como Keir Starmer (Reino Unido), Friedrich Merz (Alemanha) e Ursula von der Leyen (União Europeia), chegaram antes da abertura oficial. Para muitos, descer sobre a chuvosa Belém foi o primeiro contato direto com o coração verde do planeta, que encolhe rapidamente.
As rodadas de reuniões realizadas nos dois primeiros dias buscavam impulsionar ações concretas por parte dos ministros e autoridades de 195 países que participam das negociações ao longo de duas semanas.
O Brasil também pretende quebrar uma tradição: o país resiste à ideia de encerrar o evento com a costumeira “decisão de cobertura” — um documento final que reúne todas as resoluções aprovadas. Abrir mão disso é uma jogada arriscada, pois pode fazer com que pontos importantes sejam deixados de fora, algo que gerou revolta entre países na COP29.
“É preocupante não ter uma decisão de cobertura”, disse um funcionário de uma presidência anterior à The Guardian. “Ela é o melhor meio de registrar os avanços alcançados. Talvez ainda mudem de ideia.”
Desde o início, o Brasil colocou grande esforço diplomático na preparação do evento, com o objetivo de criar conexões e redes climáticas, baseando-se no conceito brasileiro de “mutirão” — inspirado em práticas indígenas.
Segundo André Corrêa do Lago, presidente da COP30,
“Um mutirão é uma comunidade que se une para uma tarefa comum — seja colher, construir ou apoiar uns aos outros. Compartilhando essa sabedoria ancestral, o Brasil convida o mundo para um mutirão global contra as mudanças climáticas.”
Ele ainda brincou:
“Como a nação do futebol, acreditamos que podemos vencer de virada.”
Foram recrutados diplomatas, líderes comunitários e chefes de Estado de todo o mundo para atuar como embaixadores da COP30 — além de círculos temáticos, como o Círculo dos Presidentes anteriores, o Círculo dos Ministros das Finanças, o Círculo dos Povos Indígenas, e enviados especiais para energia, agricultura e negócios.
“O Brasil se preparou por dois anos para esta COP”, disse Nicholas Stern, economista da London School of Economics. “O que sair daqui será fruto de um trabalho mais refletido, não de improviso.”
Um dos resultados mais imediatos foi a aproximação entre ministérios. Em alguns países, ministros das Finanças e do Meio Ambiente se conheceram pela primeira vez durante as reuniões.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também quis dar ênfase a temas sociais. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, criou a “Avaliação Ética Global” (GES), voltada à justiça climática, reunindo indígenas, comunidades vulneráveis e grupos marginalizados para garantir que ética e equidade estejam no centro das políticas.
“Já temos quase todas as soluções técnicas para o clima e a biodiversidade”, disse Marina.
“O que falta é o compromisso ético de aplicá-las e acelerar as decisões políticas.”
O Brasil promove ainda uma “agenda de ação” para a COP30, dividida em seis eixos temáticos:
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Transição energética, industrial e de transporte para baixo carbono;
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Proteção de florestas, oceanos e biodiversidade;
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Transformação da agricultura e dos sistemas alimentares;
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Resiliência para cidades, infraestrutura e recursos hídricos;
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Desenvolvimento humano e social;
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Financiamento, tecnologia e capacitação.
O foco central é a implementação — fazer acontecer o que já foi prometido, em vez de gastar o tempo todo criando novas metas ou discutindo responsabilidades.
“Nosso papel na COP30 é traçar um roteiro para a próxima década, acelerando a execução das metas já existentes”, afirmou Ana Toni, diretora-executiva da COP30.
Por fim, o Brasil também quer discutir a própria estrutura da COP, considerada pesada e burocrática. O país defende simplificar o processo, uma ideia que já conta com o apoio de Simon Stiell, secretário-executivo da UNFCCC.
“Precisamos evoluir para decisões mais rápidas, inclusivas e com impacto real”, disse Stiell.
Ironicamente, a agenda da conferência é tão extensa — com 145 itens em duas semanas — que pode faltar tempo até mesmo para debater as reformas.





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