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Juro alto pressiona pequenas empresas, que recorrem ao crédito mesmo com risco de inadimplência

Com a taxa Selic em 15% ao ano  —  o nível mais alto em quase duas décadas —, o custo do crédito no Brasil disparou. Em meio a esse cenário, micro, pequenas e médias empresas estão buscando cada vez mais empréstimos para manter suas operações. Só em maio, essas empresas movimentaram R$ 1,179 bilhão em financiamentos, um crescimento de 11,6% em um ano, segundo dados do Banco Central (BC). O principal objetivo desses recursos é o capital de giro.

No entanto, o aumento no volume de crédito veio acompanhado de um salto na inadimplência, que atingiu 5,1% em maio — o maior nível já registrado na série histórica do BC. Além disso, a maioria dos pedidos de recuperação judicial em abril veio dessas empresas, que enfrentam queda nas vendas e margens apertadas por conta da inflação ainda elevada.

Para Miguel Ribeiro de Oliveira, da Anefac, o movimento revela a fragilidade do setor diante do custo elevado dos financiamentos. “Com menos vendas e juros altos, as empresas recorrem ao crédito para equilibrar o caixa. Mas esse dinheiro chega mais caro e dificulta o pagamento das dívidas”, avalia.

Se o decreto do IOF tivesse sido implementado, a situação seria ainda mais crítica. O imposto incide sobre empréstimos e antecipações de recebíveis — recursos muito utilizados pelas empresas de menor porte. O tema será debatido em audiência de conciliação no STF, convocada pelo ministro Alexandre de Moraes.

Segundo Camila Abdelmalack, economista da Serasa Experian, mesmo com o custo elevado, o crédito é essencial para manter a rotina financeira de pequenos negócios. A busca por empréstimos subiu 13% em fevereiro deste ano em comparação com o mesmo período de 2024, com as MPMEs liderando a demanda. Em abril, o aumento foi de 6,3%.

De acordo com os dados mais recentes, mais de 90% das empresas ativas no Brasil são micro, pequenas ou médias. E, dos 7,3 milhões de CNPJs negativados em março, 6,9 milhões pertencem a esse grupo.

O impacto dos juros altos já afeta decisões estratégicas. Nelson Andreatta, da startup Eats For You, afirmou que a empresa adiou seus planos de expansão para 2026-2027. “Com o crédito caro, tivemos que reestruturar o negócio e focar na autossuficiência. É inviável inovar dependendo de recursos externos hoje”, relatou.

A cervejaria Hocus Pocus também vive dilemas parecidos. Para dobrar sua capacidade de produção de 120 mil para 200 mil litros por mês, a empresa avalia se vai recorrer a empréstimos ou buscar investidores. “Estamos indo bem, mas se as metas não forem atingidas, queimamos caixa. Com a Selic tão alta, é cada vez mais difícil conseguir crédito”, diz Pedro Butelli, diretor de marketing da marca.

O Sebrae tem atuado como fiador em operações de crédito, ajudando a destravar financiamentos para pequenos empreendedores. Entre 2023 e 2024, já foram R$ 3,5 bilhões em empréstimos viabilizados para mais de 50 mil empresas, com previsão de atingir R$ 12 bilhões este ano. O Fundo Garantidor BNDES-Sebrae é uma das iniciativas que ajudam a reduzir os riscos para os bancos e facilitam o acesso ao crédito.

Lena Matos, da RR Adventure, agência de turismo em Roraima, é uma das beneficiadas. Em 2024, ela contratou R$ 65 mil com aval do Sebrae. “Com a garantia, os juros foram menores. Preservamos o caixa e usamos o crédito para manter a operação e renovar equipamentos.”

O BNDES também registrou aumento na demanda. Em 2024, aprovou R$ 92,4 bilhões em crédito para MPMEs — maior valor desde 2013 —, apoiando mais de 203 mil negócios. A meta para este ano é manter esse patamar. A maior parte dos recursos foi direcionada para médias empresas (R$ 52,2 bilhões), seguidas pelas pequenas (R$ 27,5 bilhões) e microempresas (R$ 12,7 bilhões).

Segundo Maria Fernanda Ramos Coelho, diretora de Crédito Digital para MPMEs do banco, um novo fundo de apoio a essas empresas está em estudo. A intenção é ampliar o acesso ao crédito em um cenário ainda marcado por juros elevados.

Ao todo, R$ 156,3 bilhões em crédito foram viabilizados por meio de operações garantidas por fundos — sinal de que o pequeno empreendedor continua tentando resistir, mesmo em meio à tempestade financeira.

Fonte: reportagem de Glauce Cavalcanti e Bruno Rosa — O Globo (08/07/2025).