Meio Ambiente

Jovens processam governo por 'pedalada' climática e pedem anulação de meta brasileira no Acordo de Paris

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Esta é a primeira ação popular movida por jovens contra decisões do Brasil na área ambiental. Sete ex-ministros do Meio Ambiente apoiam a ação. Queimada em área desmatada em Novo Progresso, no Pará, em agosto de 2020
CARL DE SOUZA / AFP
Um grupo de seis jovens entrou com uma ação popular na Justiça de São Paulo na terça-feira (13) contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. O motivo é a ‘pedalada’ climática do governo cometida em dezembro ao apresentar uma nova meta ao Acordo de Paris, regredindo seu compromisso de diminuir os gases do efeito estufa.
Em dezembro de 2020, o Acordo de Paris completou cinco anos e todos os países signatários tiveram que apresentar novas versões dos compromissos assumidos em 2015. Ao invés de apresentar uma meta mais ambiciosa, o Ministério do Meio Ambiente apresentou uma nova meta que permitirá ao país emitir, até 2030, 400 milhões de toneladas a mais de gases do efeito estufa do que o previsto na meta original. (veja mais abaixo).
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O objetivo da ação popular, segundo o advogado do Observatório do Clima, Paulo Busse, que representa os jovens, é anular a nova meta climática, considerada danosa ao meio ambiente, além de pressionar o governo por um novo acordo de redução de gases do efeito estufa.
“A ação não é para impor uma sanção ao Estado. O objetivo é fazer o Brasil corrigir a meta climática atual, menor que a original, e assumir um compromisso mais ambicioso, que esteja em conformidade com o Acordo de Paris e a Constituição Federal”, explica Busse. Ele lembra que a Constituição impõe que o poder público e a sociedade civil adotem medidas de proteção do meio ambiente.
Oito ex-ministros do Meio Ambiente apoiam a ação popular: Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Rubens Ricupero, Sarney Filho.
Em nota, eles afirmam que a ‘pedalada’ climática “trará sérias consequências para o Brasil, como dificultar a entrada do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a ratificação do Tratado de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia. Além disso, nosso país abriu precedente para que outros apresentem metas menos ambiciosas, prejudicando a todos.”
No fim do ano passado, sob a gestão de Araújo, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em inglês), nome técnico para as metas do Brasil no Acordo de Paris, é uma das mais ambiciosas do mundo.
Apesar de não integrar mais o Ministério das Relações Exteriores, Busse explica que Ernesto Araújo está no processo porque ele, junto com Ricardo Salles, elaboraram a nova meta apresentada em dezembro.
“Se no curso do processo se verificar que a nova meta causou danos ao meio ambiente, a Justiça irá cobrar os autores do dano, no caso, os ministros das pastas na época em que a meta foi apresentada”, diz Busse.
“Nosso objetivo não é punir o governo, mas arrumar essa pedalada climática”, afirma ativista Marcelo Rocha, um dos jovens que integra a ação popular.
Esta é a primeira ação popular movida por jovens contra decisões do Brasil na área ambiental.
“Também estamos mostrando que queremos participar do processo de decisões sobre os planos do meio ambiente no Brasil. O Fórum Econômico Mundial e outros eventos receberam a juventude para participar das ações climáticas, mas isso não acontece no Brasil. Aqui, o governo fechou as portas para os jovens participarem das tomadas de decisões”, diz Marcelo.
Jovens ativistas
Os seis jovens que entraram com a ação popular são ativistas ambientais de duas organizações criadas e lideras por jovens: o Engajamundo e o Fridays for Future, este último criado pela famosa ativista adolescente Greta Thunberg.
Marcelo Rocha
Dieson Morais/Divulgação
Marcelo Rocha tem 23 anos e se tornou ativista aos 15 anos, quando morava em Mauá. À época, percebeu que o rio que cortava a cidade, o Tamanduateí, maior afluente do Rio Tietê, não tinha estação de tratamento.
“Boa parte da nascente do Tamanduateí estava poluído. Eu me tornei conselheiro municipal de juventude de Mauá e levantei a questão. O conselho conseguiu tratar o rio e mostrar que ele era importante para o nosso futuro”, lembra.
Atualmente, Marcelo é estudante de geografia e morador da periferia de São Paulo, onde também sente os efeitos das mudanças climáticas.
“As pessoas pretas e moradoras da periferia são uma das mais atingidas pelas mudanças climáticas, pois moram em lugares com pior qualidade do ar, entre outras coisas (…) A cidade produz bastante resíduo, mas ele vai ser incinerado somente nas periferias, concentrando mais gases de efeito estufa nesses locais”, comenta Marcelo.
universitária e indígena Walelasoetxeige Paiter Bandeira Suruí, de 24 anos
Divulgação
A universitária e indígena Walelasoetxeige Paiter Bandeira Suruí, de 24 anos, é outra jovem que integra o grupo. “A juventude já sofre as consequências de hoje dos danos no meio ambiente, e vamos continuar sofrendo também lá no futuro. Então a gente tem que ser parte atuante e exigir mudanças”, diz.
Conhecida como Txai Suruí, ela mora em Porto Velho, onde estuda direito, mas nasceu na Terra Indígena (TI) Sete de Setembro, do povo Paiter Suruí, em Rondônia.
“Todo mundo sofre com as consequências das mudanças climáticas, mas nós, indígenas, sofremos tanto com as causas tanto com os efeitos das mudanças”, diz Txai. Ela cita como exemplo o desmatamento que invade as terras indígenas na Amazônia.
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“Uma das principais causas das mudanças climáticas é o desmatamento e o desmatamento em Rondônia acontece principalmente dentro das Terras Indígenas. No ano passado, por exemplo, na época das queimadas, tinha momentos que não dava para ver a aldeia, de tanta fumaça. Isso deixou a gente doente, e no meio de uma pandemia de uma doença respiratória”, lembra a ativista.
Quanto aos efeitos, Txai afirma que mudança climática tem alterado o regime de chuvas na região, afetando diretamente os povos indígenas, que sobrevivem do cultivo da terra.
“Não chove quando deveria estar chovendo. Isso prejudica nossas roças e nossa alimentação. Aí a gente não consegue produzir direito, o que também afeta nossa renda”, lamenta Txai.
A ‘pedalada’ climática
A nova meta climática apresentada por Salles em dezembro manteve o mesmo percentual de redução definido em 2015, de reduzir em 43% as emissões de gases do efeito estufa até 2030. Entretanto, o governo não atualizou a base de cálculo utilizada para calcular as emissões.
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Na prática, se em 2015 a meta de redução de 43% significava emitir 1,2 bilhões de toneladas de gases até 2030, a nova meta, com a mesma taxa de redução, permite o Brasil emitir 1,6 bilhões de toneladas no mesmo período.
“Sem o reajuste na base de cálculo, a nova meta da proposta climática está cerca de 400 milhões de toneladas de carbono maior do que era em 2015”, explicou o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.
Por isso, segundo os especialistas, para apenas manter a meta climática já assumida anteriormente pelo Brasil no Acordo de Paris, o ministro do Meio Ambiente deveria ter se comprometido a diminuir 57% das emissões até 2030, e não apenas 43%.
Um documento técnico do Observatório do Clima de dezembro concluiu que o Brasil deveria se comprometer a reduzir as emissões em 81% até 2030 em relação aos níveis de 2005.
Atualmente, a emissão líquida do Brasil é de cerca de 1,6 bilhão de toneladas de gases – o país é o sexto maior emissor de gases do planeta.